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    Obra erótica e psicodélica de Teresinha Soares volta aos holofotes no Masp

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    27/04/2017 02h18

    Divulgação
    Morra Usando as Legítimas Alpargatas', obra de Teresinha Soares, de 1968
    'Morra Usando as Legítimas Alpargatas', obra de Teresinha Soares, de 1968

    "Aquela mulherzinha que você conheceu morreu sem alarde. Ardia de amor e se queimava." Derreteu, de fato, e suas cinzas se rearranjaram noutra mulher, insaciável, exigindo que seu homem fosse "macho, carnívoro, faminto" de seu corpo. "Quero ver suas mãos sujas e na boca todo o gosto do meu sangue."

    Teresinha Soares, agora alvo de uma retrospectiva no Masp, nem precisava ter escrito essas odes à luxúria para dizer a que veio. Sozinhas, as telas, gravuras, esculturas e performances da artista que a crítica rotulou de "vênus do amor", "moça da arte erótica" e "pintora que escandaliza a 'society'" transpiram desejo, sexo e violência, muitas vezes juntos.

    No auge da repressão do regime militar, essa tal "mulher com 'H' de homem", como ela batizou uma das colunas que escrevia em jornais, construiu uma obra plástica de pegada pop e psicodélica, retratando figuras femininas senhoras de suas camas, mesmo que vez ou outra vítimas de agressão.

    "O leitmotiv é a mulher, o sexo, o corpo, o útero, a maternidade", diz uma nonagenária Soares, de óculos escuros e chapéu violeta, unhas pintadas de prata, rodeada de suas telas no subsolo do museu. "Minha obra é como se fosse um parto, uma coisa muito fisiológica, um grito. É a necessidade de pôr para fora o que está dentro de mim."

    Esse grito, no caso, não durou muito tempo. Na virada da década de 1960 para os anos 1970, Soares criou quase todas as obras dessa mostra numa espécie de jorro criativo, uma meditação tecnicolor sobre o papel da mulher numa sociedade machista, repressora e violenta.

    Uma de suas primeiras séries de pinturas, aliás, traz casos de polícia vertidos para as cores lisérgicas da arte pop.

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    Inseminação Artificial', de Teresinha Soares, de 1968
    'Inseminação Artificial', de Teresinha Soares, de 1968

    Lá, entre outras visões sangrentas, estão uma mulher que atira em outra, o corpo de um homem estendido no chão ao fundo, uma mulher crucificada e o vulto de policiais armados ao lado de um bloco de Carnaval –ácida crítica ao mergulho na violência dos anos de chumbo amortecido por certa alegria tropical, transbordante e corrosiva.

    Nesse sentido, Soares estava em sintonia com a vertente nacional da arte pop, indo além de uma reflexão sobre o consumismo e a circulação vertiginosa de imagens publicitárias para orquestrar também um ataque aos desmandos políticos daquela época.

    "Na minha vida, nunca teve drama, mas eu sentia uma revolta e me sentia livre. Tinha coragem, não tinha medo", diz a artista. "Nunca coloquei um selo no que eu faço, mas é claro que tem um aspecto político. Sexo, amor, cama, tudo isso é política. Não é só sexo, mas é a mulher tomando consciência de seu valor."

    O resgate atual de sua obra, que passou as últimas quatro décadas fora do radar, acontece agora, aliás, num momento de revalorização dessa estética, que vem sendo revista pelo circuito como um fenômeno global –Soares teve alguns de seus maiores trabalhos mostrados há dois anos na Tate Modern, em Londres, numa mostra dedicada à arte pop de fora da Europa e dos Estados Unidos.

    Essas mesmas telas ressurgem em São Paulo ao lado de uma escultura que a artista criou como espécie de palco para performances e bandejas de madeira com silhuetas de mulheres que ela chegou a encher de arroz, feijão e amendoins para os convidados do vernissage na década de 1970.

    Na época, pintinhos de verdade completavam o quadro. "Eles eram machos e ciscavam naquelas mulheres sem mãos, sem pernas, só o corpo", lembra Soares. "Eram as mulheres como objeto de desejo."

    TERESINHA SOARES
    QUANDO abre qui. (27), às 20h; de ter. a dom., 10h às 18h; até 6/8
    ONDE Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3149-5959
    QUANTO R$ 30, grátis às terças

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