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    Crítica

    'O Assobiador' não passa de leitura amena para paladar mediano

    ANTONIO RISÉRIO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    29/04/2017 02h35

    Carlos Cecconello - 30.jun.2010/Folhapress
    O angolano Ondjaki durante participação na Flip, em 2010
    O angolano Ondjaki durante participação na Flip, em 2010

    O ASSOBIADOR (regular)
    AUTOR: Ondjaki
    EDITORA: Pallas
    QUANTO: R$ 36 (160 págs.)

    *

    Torcendo fervorosamente pela independência das colônias portuguesas em África, minha geração tinha motivos de sobra para olhar com toda a simpatia a literatura angolana. Mas nenhum deles era propriamente literário.

    Ainda hoje, podemos nos emocionar com a chegada de soldados cubanos ao aeroporto de Luanda, numa noite chuvosa de 1975, tal como Ryszard Kapuscinski nos descreve a cena, em "Mais um Dia de Vida".

    Mas a literatura angolana não era capaz de nos atrair como literatura. Mostrava-se carente de poder estético. A começar pela poesia de Agostinho Neto, líder da nova nação.

    Naquela época, pensávamos que ali estava um novo país a caminho do socialismo. Mas tudo descambou. O que se vê agora é uma ditadura corrupta e cruel, esmagando a população do país.

    Hoje, se for para admirar a literatura angolana, terá de ser por méritos exclusivamente literários. E parece que isso ainda está longe de acontecer.

    Não que inexistam livros angolanos capazes de chamar a atenção. Para nós, brasileiros, mereceria inclusive leitura mais aprofundada uma obra como "O Ano em que Zumbi Tomou o Rio", de José Eduardo Agualusa. Mas, regra geral, a pobreza estética ainda é a nota dominante.

    É neste horizonte que leio a novela angolana "O Assobiador", de Ondjaki, escritor que, de cara, impressiona pelos números. Em 17 anos de vida literária, publicou nada menos do que 22 livros e empalmou aí por volta de uns 15 prêmios.

    O que, de imediato, nos passa a sensação de um escritor de inspiração e escrita fáceis, que não se dá ao luxo de empenho maior em sua práxis textual, como se, de alguma forma, a quantidade pudesse ser uma espécie de qualidade.

    E a sensação se confirma com a leitura de "O Assobiador". A anedota da novela é absolutamente banal no repertório das fábulas do mundo. Um forasteiro, com dons especiais, chega a um determinado lugar –e provoca uma forte transformação no modo de vida da comunidade ali residente.

    No caso de "O Assobiador", o mecanismo mágico que produz a transformação é, claro, o assovio, aqui alcançando as alturas de melodia angelical, música divina, som paradisíaco. É este assovio sobre-humano que vai alterar a rotina remansosa das pessoas da aldeia, desrecalcando desejos.

    Esta é, digamos, a primeira parte da novela. Entre clichês e banalidades filosóficas, dela é possível dizer uma das piores coisas que se pode falar de um texto: é bonitinha.

    A segunda parte mostra a alteração que o assovio mágico provocou na vida dos aldeões: um redespertar erótico. Os mais velhos, principalmente, caem na farra sexual. A terceira (e melhor) parte é feita de "anotações" metaliterárias, que não deixam de remeter ao antigo poema-em-prosa.

    Mas Ondjaki nunca parece se preocupar com o fato de que o que conta não é a fábula que o escritor tem a oferecer –mas a qualidade do desempenho textual com que o faz. Daí que "O Assobiador" não passe de leitura amena para um paladar mediano. Ressentindo-se, definitivamente, da falta de duas coisas: brilho e densidade.

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