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    Crítica

    Correspondências de James e Stevenson são miudezas maiores

    ALVARO COSTA E SILVA
    DE COLUNISTA DA FOLHA

    29/04/2017 02h25

    A AVENTURA DO ESTILO (ótimo)
    AUTORES: Henry James e Robert Louis Stevenson
    TRADUÇÃO: Marina Bedran
    EDITORA: Rocco
    QUANTO: R$ 34,50 (272 págs.)

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    Que falta faz uma boa revista de livros, animal quase extinto no Brasil. Foi na "Longman's" inglesa que, em setembro de 1884, Henry James (1843-1916) publicou o célebre ensaio "A Arte da Ficção", que se tornou um divisor de águas na maneira de fazer e pensar a crítica literária.

    Três meses depois, em meio à ebulição que o artigo provocou, Robert Louis Stevenson (1850-1894) respondeu, nas mesmas páginas, com o texto "Um Humilde Protesto". O que nasceu polêmica virou amizade, e é a matéria da antologia "A Aventura do Estilo", que inaugura uma nova coleção da editora Rocco, a Marginália.

    National Portrait Gallery
    O cerebral e gordote Henry James que trocava cartas com o aventureiro (e tísico) escocês Robert Louis Stevenson
    O cerebral e gordote Henry James que trocava cartas com o aventureiro (e tísico) escocês Robert Louis Stevenson

    Organizado e traduzido por Marina Bedran, o livro reúne ensaios e parte da correspondência entre os romancistas, tão díspares –o cerebral e gordote James, o aventureiro e tísico Stevenson– e, ao mesmo tempo, tão próximos no talento e no interesse pela arte literária.

    Nos primeiros anos do século 20, a ficção em língua inglesa tomou dois caminhos, o mais aclamado deles o de James Joyce, que, ao publicar o "Ulysses", deixou todo mundo hipnotizado: o romance poderia conter tudo e explodir tudo. Menos badalada, a vereda de Henry James, com suas obras tardias ("Os Embaixadores", "A Fera na Selva"), mostra uma abordagem multifocal, subjetiva, fluxo de consciência que é uma névoa só.

    Suas experimentações com o ponto de vista da narrativa ainda fascinam escritores contemporâneos. Não à toa, o estilista irlandês John Banville –num lance de admiração sincera e picaretagem do bem– acaba de concluir uma continuação de "Retrato de uma Senhora".

    Com enorme aceitação do público, o escocês R. L. Stevenson dominava a fundo o estilo e o argumento –como o próprio James (que estava longe de ser um autor de best-sellers) era o primeiro a reconhecer. Seu nome ficaria associado aos gêneros populares, como a história de piratas "A Ilha do Tesouro" e a novela fantástica "O Médico e o Monstro", livros arrebatadores, que carregam o leitor para um território cheio de perigos e surpresas, medo e suspense.

    Elogiado por Borges e Italo Calvino, no juízo mais comum Stevenson acabou restrito ao universo infantojuvenil. A alta qualidade de sua obra, contudo, é um argumento a favor daqueles que organizam a biblioteca ideal em ordem alfabética, todos os melhores livros ao lado uns dos outros, e não separados por gênero.

    Hulton Archive/Getty Images
    Robert Louis Stevenson
    Robert Louis Stevenson, quem Henry James trocava cartas

    Em seu artigo, James propunha libertar a literatura do século 19 das amarras da função pedagógica e do entretenimento. O principal objetivo do romance, segundo ele, era competir com a vida. Em sua resposta, Stevenson implodiu o argumento central do autor de "A Outra Volta do Parafuso", defendendo o caráter artificial da literatura: "Nenhuma arte, para usar a ousada frase do Sr. James, pode competir com a vida com sucesso, e a arte que faz isso está condenada a perecer".

    A Aventura Do Estilo
    Henry James, Robert Louis Stevenson
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    No entanto, eram muitos os pontos de contato entre os dois autores –daí que, motivados pela discussão na revista, eles iniciaram uma correspondência que durou dez anos (até a morte prematura de Stevenson, aos 44). Uma relação afetuosa e até brincalhona, como as cartas reproduzidas no livro comprovam.

    Um trecho de James define a vocação de ambos: "A vantagem, o luxo, mas também o tormento e a responsabilidade do romancista é que não há limite para o que ele pode realizar". Em tempo: com curadoria do jornalista Miguel Conde, chega em boa hora a coleção Marginália, que se dedica ao "entorno" da literatura: cartas, diários, conferências, artigos de jornal. Dependendo do escritor, são miudezas maiores.

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