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    Crítica

    Se não é perfeito, 'Corra' tem o mérito de errar em nome do risco

    SÉRGIO ALPENDRE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    05/05/2017 02h12

    Divulgação
    Daniel Kaluuya é o fotógrafo Chris no thriller 'Corra!', de Jordan Peele
    Cena do thriller 'Corra!', de Jordan Peele

    Em "Corra!", estreia na direção do ator e roteirista Jordan Peele ("Keanu: Cadê Meu Gato?!", 2016), três filmes se sucedem, descontando um prólogo que aos poucos será explicado.

    Tudo leva a crer que a operação seja intencional, mas não se pode dizer que o filme se resolva de maneira totalmente convincente.

    Sua força está no desconcerto que provoca no espectador e na estrutura que privilegia o inesperado.

    No tal prólogo, um homem negro anda pelas ruas desertas de um subúrbio americano típico de brancos conservadores, à noite.

    Um carro branco (sim, a simbologia é um tanto gasta) para no meio-fio e o motorista, com um capacete esquisito, rapta o homem e o coloca no porta-malas. Surgem os créditos.

    O que vem a seguir parece ser de um outro filme. Chris Washington (Daniel Kaluuya) é um fotógrafo negro bem-sucedido que recebe em sua casa Rose Armitage (Allison Williams), sua namorada branca. A música que os apresenta nos leva a achar que o filme de repente virou uma comédia romântica.

    Eles conversam sobre o fim de semana na casa dos pais dela, e Chris se preocupa porque Rose não os avisou que o namorado é negro. Por mais resolvido que ele seja, não se pode subestimar o racismo de uma sociedade cheia de problemas como a americana.

    Chegando na casa, testemunhamos inicialmente o contato de Chris com os pais da namorada. São democratas, eleitores de Obama, aparentemente um casal de mente aberta. Mas Chris estranha que os empregados negros sejam esquisitos –para dizer o mínimo.

    Assista ao trailer de 'Corra!'

    Até quase meia hora de filme, temos essa situação em que brancos se portam de maneira exemplar, mas mantêm seus empregados negros, apesar de a situação não lhes parecer boa. E Chris tenta lidar com os sentimentos conflitantes que o invadem.

    Esse é o primeiro filme, o melhor, que começa logo após os créditos iniciais e propõe Daniel Kaluuya como substituto para Sidney Poitier, de "Adivinhe Quem Vem Para Jantar" (1967), clássico sobre preconceito racial em uma família de democratas esclarecidos.

    O segundo lembra o pior David Lynch (aquele de "Império dos Sonhos"), e termina de forma canhestra.

    Não é possível adiantar o que acontece sem estragar parte da surpresa, mas é necessário dizer que é a parte em que o filme ameaça se perder em definitivo.

    O espectador que passar ileso por esse segundo momento irá encontrar o terceiro, a saber um filme de suspense com toques de ação e tensão que redime parcialmente o momento anterior.

    Talvez seja excesso de rigor exigir uma estrutura impecável de um estreante, mas o fato é que Jordan Peele, em muitos momentos, mostra-se apto a alcançá-la.

    Se isso não acontece foi pela vontade de se abrir ao risco. Bom que seja assim. Para alguém que almeja ser artista, melhor errar com personalidade do que acertar dentro de alguma fórmula.

    *

    CORRA! (GET OUT)

    DIREÇÃO Jordan Peele
    ELENCO Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener
    PRODUÇÃO EUA, 2017
    QUANDO estreia prevista para 18/5

    Edição impressa

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