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    Com coletânea de contos, Lucia Berlin é resgatada do esquecimento

    MAURÍCIO MEIRELES
    DE SÃO PAULO

    06/05/2017 02h00

    Buddy Berlin/Divulgação
    A escritora Lucia Berlin Credito Buddy Berlin/Divulgacao
    A escritora Lucia Berlin em foto de 1961

    Mistério sempre há de pintar por aí. E na literatura alguns parecem difíceis de explicar. Há sempre um autor que se perdeu pelo caminho, a obra ficou ali perdida -até que surge um resgate, com um rufar de tambores. Mas onde estavam os tambores antes?

    É o caso da escritora americana Lucia Berlin (1936-2004), que chega agora às livrarias com "Manual da Faxineira", uma compilação de boa parte dos contos que escreveu ao longo de sua conturbada biografia.

    Berlin não fez sucesso enquanto era viva -seus admiradores, escritores principalmente, formavam uma irmandade secreta até 2015, quando o livro saiu nos EUA pela Farrar, Straus & Giroux. O segredo bem guardado foi parar nas listas de mais vendidos.

    "Acho que, na época dela, o público não estava interessado NO olhar sombrio, por vezes desesperado, sobre o mundo, do ponto de vista de uma mulher. Agora, mais do que nunca, há o apetite por esse tipo de honestidade e autenticidade -especialmente de uma mulher", diz Emily Bell, editora do livro nos EUA.

    Cheio de personagens às margens da sociedade, o livro tem muito da experiência da vida da escritora.

    Nascida no Alaska, Berlin passou a infância pulando de cidade, porque seu pai era um engenheiro que trabalhava na mineração. Com os pais separados, viveu com parentes, teve quatro filhos de três homens diferentes (quando o divórcio não era comum).

    Foi professora, enfermeira, recepcionista, telefonista -e, claro, faxineira. Uma grave escoliose fez com que sua espinha perfurasse um pulmão, o que a obrigou, em dado momento, a andar com um tanque de oxigênio.

    O alcoolismo, mal de família, levou a escritora a "prisões, hospitais, clínicas psiquiátricas", dizia Berlin. Toda essa barra pesada, porém, não tirou um sorrisinho de canto de boca que atravessa muito de seus contos.

    Uma admiradora de Berlin é Lydia Davis, um dos principais nomes da ficção breve em língua inglesa. Ela assina um dos posfácios da edição. "Os contos de Lucia Berlin são elétricos, zumbem e estalam quando seus fios se tocam", escreve ela.

    "Lucia passou boa parte de sua vida às margens da sociedade. Ela andava com músicos de jazz e autores que escreviam de forma mais livre e improvisada", diz o escritor Stephen Emerson, amigo da autora.

    "Mas não dá para igualar o narrador de seus contos à própria autora. Eles se sobrepõem, mas não são sinônimos. Há coisas exageradas e outras coisas completamente inventadas."

    Emerson é o principal responsável pelo resgate da obra de Berlin. Foi ele o primeiro a botar os contos debaixo do braço e a procurar um agente literário para representar a autora.

    "As editoras grandes de Nova York eram e são relativamente preguiçosas. Elas publicam o que se assemelha ao que já conhecem", diz ele, tentando explicar a falta de sucesso da amiga.

    Quando Berlin ressurgiu, era comum que a comparassem a Raymond Carver e Richard Yates. Emerson, porém, compartilha uma carta em que ela cita sua admiração por Tchékhov:

    "Ele olha para cada personagem (e animal) com absoluta compaixão, e sua generosidade se estende ao leitor. Mesmo quando a história é triste. [... Ele se rejubila mesmo na dor dos homens."

    MANUAL DA FAXINEIRA
    AUTORA Lucia Berlin
    TRADUÇÃO Sonia Moreira
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 64,90 (536 págs.)

    Edição impressa

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