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    Crítica

    'Taego Ãwa' registra resistência e reafirma identidade de índios

    ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    12/05/2017 02h12

    Divulgação
    Taego Awa [Taego Awa, Brasil, 2017], de Henrique Borela, Marcela Borela. Genero: documentario ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena de 'Taego Ãwa' de Henrique e Marcela Borela

    A origem de "Taego Ãwa", documentário dos irmãos Marcela e Henrique Borela, remonta a 2003, quando ela encontrou, em um armário na Universidade Federal de Goiás, fitas VHS com imagens dos índios ãwas.

    Anos depois, a dupla foi ao encontro da tribo, na ilha do Bananal, em Tocantins, levando essas e outras imagens de arquivo que mostram fragmentos da vida dos ãwas, de registros do cotidiano à perseguição que sofreram desde o primeiro contato forçado feito pela Funai, em 1973, para expulsá-los de seu território.

    Com o rompimento dessa reclusão, a tribo passou a ser dizimada. Os poucos sobreviventes migraram para o oeste, da bacia do rio Tocantins para a bacia do Araguaia. Chegaram a ser levados para viver na terra dos índios javaés, seus inimigos históricos.

    O encontro dos documentaristas com a tribo serviu para restituir aos índios as imagens, e daí surgiu a possibilidade de fazer um documentário para dar visibilidade à sua história de resistência.

    No filme convivem as heterogêneas imagens de arquivo e o material que produziram com os índios em 2014 e 2015. Esse material não é um registro espontâneo, mas algo encenado, que mostra a vida dos índios hoje, seus rituais, cosmovisão e memória.

    O contato com as imagens de arquivo motiva relatos do patriarca Tutawa que morreu em 2015– e sua filha Kaukama, mãe, avó e bisavó de todos os ãwas nascidos depois do contato com os brancos.

    Ao revisitar e interrogar o passado, os ãwas projetam o futuro, no qual tem presença importante a reivindicação da demarcação de terras –fabulada na cena em que os índios fincam no chão uma placa com o o nome da tribo.

    A portaria sobre a demarcação da terra foi assinada após a finalização do filme, em abril de 2016, mas não implica automaticamente que os ãwas deixarão de ser assediados por posseiros.

    A coexistência permanente e sem hierarquia dessas imagens, motivadas muitas vezes por interesses opostos, é um potente exercício de linguagem que faz emergir novos significados.

    O melhor exemplo é a longa e bela cena que mostra Tutawa caçando um veado, nos anos 1980. A tocaia e os movimentos precisos do índio em sua aproximação cheia de suspense celebram um modo de vida. Mas também reverberam na luta pela sobrevivência dos ãwas: o índio aqui é caçador, mas historicamente é caçado pelo branco.

    Ressignificações como essa, que constroem outra narrativa, a relevância do tema e inúmeros planos de grande beleza plástica dão envergadura ao documentário.

    A escolha dos diretores de só no final fornecer mais informações sobre a tribo –e mesmo assim sucintas, em letreiros– revela-se muito acertada. Deixar o espectador "desamparado", sem saber muito sobre o que vê na tela, permite que se sensibilize pelas imagens e procure estabelecer relações entre elas.

    *

    TAEGO ÃWA
    DIREÇÃO: Marcela Borela e Henrique Borela
    PRODUÇÃO: Brasil, 2015, 10 anos

    Edição impressa

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