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    Análise

    Com a morte de Candido, clichê 'fim de uma era' faz todo sentido

    FLÁVIO MOURA
    ESPECIAL PARA FOLHA

    12/05/2017 14h35 - Atualizado às 20h12

    Poucas vezes o clichê "fim de uma era" fez tanto sentido. Antonio Candido não foi apenas o maior crítico literário brasileiro, mas também o último representante da geração que produziu Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, entre tantos outros.

    Sua contribuição teórica partilha de um momento em que a vida intelectual comportava obras de síntese sobre o Brasil -no auge do nacional-desenvolvimentismo, a preocupação em dar lastro para o projeto de autonomia do país estava por trás de seu trabalho mais importante, a "Formação da Literatura Brasileira" (1957).

    Candido partilhava com Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda uma largueza de escopo que o pensamento social brasileiro jamais voltou a igualar, aliando anseio por justiça social, densidade teórica e qualidade estética. Com Freyre e Sérgio Buarque, partilhava também o gosto pela forma do ensaio, incorporando o legado do modernista numa escrita cristalina.

    Ele pautou boa parte dos temas ainda pesquisados na universidade e erigiu muitos de seus companheiros de geração em objeto de estudo, num movimento que contribuiu para a hegemonia de que o modernismo desfruta nos estudos literários. Traçou os limites da leitura do ensaísmo sobre o Brasil elegendo os intérpretes legítimos: seu ponto de vista está de tal modo impregnado no debate que já se naturalizou.

    Para continuar no campo das analogias, Candido projetou sobre o campo da literatura uma sombra semelhante à de Oscar Niemeyer na arquitetura. Com a vantagem de não ter incorrido em obras irregulares no fim da carreira. E de uma militância política mais consistente, avessa ao stalinismo e ao socialismo doutrinário.

    Candido guardava distância do oficialismo. Passava longe de agremiações como a Academia Brasileira de Letras, ambígua na sua composição que acolhe intelectuais sérios e beletristas sem importância, e de cargos políticos e administrativos, já oferecidos à larga a ele por diversos governos do PT, partido que ajudou a fundar.

    Ele viveu o suficiente para assistir à polarização política que tomou conta do país - já prevejo comentadores afoitos apontando o dedo para suas relações com o PT, como fizeram com Chico Buarque. Alto lá. O refinamento que a obra e a vida de Antonio Candido representam é o que anda mais em falta no debate político e no ambiente intelectual brasileiro.  

    FLÁVIO MOURA, doutor em sociologia pela USP com tese sobre o neoconcretismo e editor da Todavia

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