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    Crítica

    'Nossas Noites' se destaca ao fugir de grandes temas contemporâneos

    ROBERTO TADDEI
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    15/05/2017 02h02

    NOSSAS NOITES (bom)
    AUTOR Kent Haruf
    TRADUÇÃO Sonia Moreira
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO: R$ 39,90 (160 págs.)

    *

    "Nossas noites" é um breve romance que flerta com um novo gênero ficcional: o reifungsroman, romance do amadurecimento na velhice.

    Foi publicado após a morte do americano Kent Haruf, aos 71 anos, em 2014. Com o aumento da expectativa de vida nos países desenvolvidos, são cada vez mais numerosas as obras com personagens idosos que, assim como no bildungsroman (romance de formação), passam por transformações.

    Em "Nossas noites" estamos em Holt, cidade fictícia de interior, quando, "num fim de tarde em maio, pouco antes de escurecer completamente", Addie Moore, 70, atravessa o quarteirão e bate na porta de Louis Waters, com quase 70, para convidá-lo a "ir à minha casa de vez em quando para dormir comigo".

    Michael Lionstar/New York Times
    *** ALTA*** In an undated handout photo, Kent Haruf, the author of â€Plainsong.†Haruf, whose sparsely written and deeply felt tale of the interlocking lives of several families made him an overnight literary sensation after more than 30 years of writing and teaching writing, died at his home in Salida, Colo. on Nov. 30, 2014. He was 71. (Michael Lionstar via The New York Times) -- NO SALES; FOR EDITORIAL USE ONLY WITH STORY SLUGGED OBIT-HARUF BY YARDLEY. ALL OTHER USE PROHIBITED. ORG XMIT: XNYT224 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O escritor americano Kent Haruf, morto aos 71 anos, em 2014

    Os dois são viúvos. Moram nas mesmas casas há mais de 40 anos. Criaram os filhos, enterraram parceiros e são conhecidos por todos na cidade.

    Não foram felizes profissionalmente. "Nem todo mundo descobre o que realmente quer fazer", diz Addie. "Eu também não fiz o que queria. Só brinquei de fazer", responde Louis. Nunca foram próximos. Daí o estranhamento do convite. Mesmo assim, Louis passa a dormir com a vizinha.

    A cidade fofoca. Já não devem satisfação a ninguém. Redescobrem um certo prazer de viver. Tudo o que Louis passar a querer é "levar uma vida simples, e prestar atenção no que acontece a cada dia. E vir dormir aqui com você à noite".

    Nessa frase talvez se possa ver o projeto autoral de Haruf. Durante décadas ele tentou ser aceito num programa de formação de escritores e lutou para publicar seus textos.

    Só mais tarde, quando passou a escrever de olhos vendados, é que as coisas mudaram. Assim criou "Plainsong" (1999), o primeiro sucesso, e "Benediction" (2013), o segundo a estar entre os mais vendidos nos EUA, inéditos no Brasil.

    Escrevia um capítulo por dia, sem enxergar nada, numa máquina de escrever. Pontuações e marcações ficavam para uma segunda revisão.

    Há uma secura em sua prosa que parece ser ainda mais minimalista do que a de Ernest Hemingway (1899-1961), influência declarada.

    Nossas Noites
    Kent Haruf
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    Por outro lado, parece ecoar o que diz Julian Barnes em seu "Nada a temer" (Rocco, 2009): "agora que estamos velhos, que tenhamos coragem de falar de maneira simples. ("¦) é preciso toda uma vida para ver, e dizer, coisas simples".

    "Nossas noites" é um respiro num mundo onde é cada vez mais difícil encontrar histórias significativas fora dos grandes temas contemporâneos: diásporas, intolerância religiosa e racial, abusos e opressões de classe e gênero. Haruf escrevia com os olhos vendados. Nós o lemos como se estivéssemos com antolhos. Às vezes é bom.

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