• Ilustrada

    Saturday, 04-May-2024 11:25:12 -03

    Na Oca, 750 obras do Itaú Cultural tentam retratar os extremos do Brasil

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    23/05/2017 02h00

    Na entrada da Oca, imagens desse pavilhão futurista que Oscar Niemeyer desenhou no parque Ibirapuera e de outras construções do arquiteto estão voltadas para a porta, num eco do lugar.

    Mas essa sensação de espelhamento logo se desfaz numa mostra de excessos.

    Vertiginosa e caleidoscópica, uma seleção de 750 obras do acervo do Itaú Cultural tenta repassar as representações mais extremas do Brasil, de paisagens do holandês Frans Post, realizadas no século 17, aos desenhos de Alexandre Orion nos muros cinzentos de uma São Paulo do século 21.

    Divulgação
    Êxtase', fotografia realizada por Claudia Andujar em 1974, agora em mostra na Oca
    'Êxtase', fotografia realizada por Claudia Andujar em 1974, agora em mostra na Oca

    "Não há uma narrativa", diz Paulo Herkenhoff, que organiza a exposição. "São momentos que vão se justapondo. A gente olhou obra por obra para ver como elas se atraíam. Há muitas frestas."

    Ele fala, no caso, da arquitetura de paredes desconjuntadas da mostra, que exalta a estrutura da Oca ao mesmo tempo em que deixa ver um quadro e outras obras ao redor. Esses seus "Modos de Ver o Brasil", como batizou o recorte, na verdade se tornam um turbilhão -às vezes desconcertante- de estilos, movimentos e vanguardas.

    Na primeira ala, entram em choque visões geometrizantes da metrópole de fotógrafos modernistas, como Geraldo de Barros e German Lorca, e o caos de uma São Paulo de favelas, farrapos e cores díspares -retratada por Leonardo Finotti, pintada por Luiz Zerbini e grafitada por Orion.

    Divulgação
    Fotoforma', obra realizada por Geraldo de Barros em 1951, agora em mostra na Oca
    'Fotoforma', obra realizada por Geraldo de Barros em 1951, agora em mostra na Oca

    "Eles passam a imagem da imensidão, da dinâmica, da velocidade, do crescimento", diz Herhenhoff. "São Paulo é uma cidade tentacular."

    O foco depois se torna mais amplo. Nas paredes da Oca, surge desde um Brasil arrojado, o tal país do futuro exaltado por desenhos de Wesley Duke Lee, a um Brasil miserável, atravessado pelo racismo, que transparece nos trabalhos de Rosana Paulino, Jaime Lauriano e Sidney Amaral, todos artistas negros.

    Herkenhoff, aliás, parece ter estruturado toda a mostra em torno da ideia de um país desigual, que se construiu em igual medida com esforços de negros, índios e brancos, mas não disfarça o destaque maior à "mão afro-brasileira".

    Divulgação
    Língua', obra realizada por Antonio Dias em 1965, agora em mostra na Oca
    'Língua', obra realizada por Antonio Dias em 1965, agora em mostra na Oca

    Em alguns momentos, a exposição assume seu ativismo e vontade de reparação histórica, virando uma afirmação clara do poder da negritude na arte do país -estão lá artistas como Ayrson Heráclito, também na atual Bienal de Veneza, e Paulo Nazareth, que fez da questão racial o pilar de uma obra plástica tão contundente quanto polêmica.

    Outros, mais sutis e mais interessantes, mostram mestres negros ao lado dos brancos, como Rubem Valentim e Emanoel Araújo, vistos ali junto dos concretistas Franz Weissmann e Ivan Serpa.

    Essa tensão discreta, no caso, muitas vezes revela maior sintonia do que disparidades entre os interesses estéticos desses artistas. Numa mostra que arrisca, pelo excesso, virar indigesta, são esses os recortes de maior potência.

    Não falta ainda outra vertente do foco, ou certa moda perversa, do circuito atual -índios. Mas, na ausência de obras realizadas por artistas indígenas, Herkenhoff escala três gerações de autores que discutem, mesmo que com graus díspares de potência, o genocídio contra esses povos.

    Estão lá belíssimas imagens de Claudia Andujar, da série inspirada por sonhos dos ianomâmis, o "Zero Cruzeiro", cédula fake em que Cildo Meireles infiltra a imagem de um índio, e de Armando Queiroz.

    RESPIROS MONUMENTAIS
    Há ainda os respiros monumentais. Uma escultura de Ascânio MMM que antes adornava a praça da Sé e se perdeu numa tentativa de restauro foi refeita para a exposição e depois será devolvida ao endereço no centro paulistano.

    Outras duas obras monumentais de Carmela Gross, uma escultura com véus pretos que ela fez desfilar numa performance pela avenida Paulista há duas décadas e uma intervenção sobre o piso, dominam o subsolo da Oca.

    Na mesma pegada, mais um clássico que sai da penumbra dos armazéns e vê a luz do dia é "O Impossível", da modernista Maria Martins -a escultura em que flagra dois bichos estranhos, de garras e tentáculos alvoraçados, num momento entre o sexo e um embate violentíssimo.

    Esse contraste acirrado espelha, aliás, os muitos recortes de obras concretistas e neoconcretistas da mostra, vanguardas que opuseram a ideia de uma arte industrial a outra mais afeita ao carnal.

    Lá estão desde uma pioneira composição que Waldemar Cordeiro, líder do concretismo paulista, fez usando um computador, a obras menores de Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica, heróis que não poderiam estar ausentes.

    MODOS DE VER O BRASIL
    QUANDO abre nesta qua. (24), às 20h, para convidados; de ter. a dom., das 9h às 18h; até 13/8
    ONDE Oca, pq. Ibirapuera, portão 3, tel. (11) 3105-6118
    QUANTO grátis

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024