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    Análise

    Streaming ameaça o papel do cinema como fruição coletiva

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    26/05/2017 02h20

    Mike Blake/Reuters
    FILE PHOTO: The Netflix logo is shown in this illustration photograph in Encinitas, California, U.S., on October 14, 2014. REUTERS/Mike Blake/File Photo ORG XMIT: HFS-LUC04
    O logo da Netflix, serviço de streaming que amaça o futuro do cinema

    Para entender a polêmica Netflix vs cinemas franceses convém primeiro entender um pouco do comportamento daquele país em relação à arte.

    Lá se vai ao museu, se lê um livro ou se frequenta o cinema sem fazer diferenciações. Nesse sentido é bem diferente daqui, onde não se lê, não se vai ao museu e se vê o cinema como uma arte secundária.

    No mais, os cineastas franceses têm prestígio suficiente para, como já aconteceu, brecar negociações internacionais visando proteger seus filmes (contra os americanos).

    Essas coisas fazem da França o centro do cinema europeu na atualidade, e não é de espantar que lá se instaure a questão do streaming.

    Primeiro ponto: assim como a Amazon não ameaça diretamente a indústria do livro, e sim as livrarias, o streaming não ameaça a produção, e sim a exibição cinematográfica. Não se trata de um confronto envolvendo realizadores, mas, basicamente, exibidores de cinema.

    Nota: não é tão simples assim, até porque grandes cadeias exibidoras, tipo Pathé ou MK2, são também produtores importantes na Europa e na Ásia.

    Ponto dois: o streaming se fortalece agora que o DVD foi devastado devido à facilidade com que se baixam filmes pela internet.

    Talvez não na França, que combate a pirataria ferozmente (tente achar um filme em DVD de origem francesa circulando na internet). Ou seja, levar a Cannes filmes que ganham toda a projeção publicitária que o festival oferece para, em seguida, lançá-los em streaming (sem antes passar pelos cinemas) é uma bela estratégia em vista de abrir totalmente as portas do mercado europeu à Netflix.

    ASCENSÃO

    Não há dúvida de que, cedo ou tarde, o streaming ocupará uma posição mais que relevante no universo cinematográfico –até que uma nova tecnologia tome o seu lugar, é claro.

    O que se começa a pôr em questão, no entanto, não são desavenças comerciais maiores ou menores. É o próprio destino do cinema como arte (ou diversão, ou ambos, não importa) de fruição coletiva que está ameaçado.

    A ameaça, diga-se, vem de longe: começa com o VHS, passa pelo DVD e termina (por ora) no streaming. Cada mídia restringiu a exibição tradicional, em salas e compartilhada. É muito possível imaginar um futuro em que o cinema se torne uma arte fruída individualmente, como os livros.

    Para os EUA, como se sabe, esse tipo de questão é irrelevante: o importante é que o negócio vá em frente. Para os europeus, que têm apreço grande pelo cinema em salas, trata-se ao menos de adaptar a indústria, de prepará-la para uma transformação que hoje já parece bastante possível.

    O streaming mal começou. Mas já dá para ver que a nós, cá do Brasil, caberá novamente dançar conforme a música.

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