Jonathan Safran Foer tem o dom para descrever o que um adolescente em "Aqui Estou" chama de "os alimentos repugnantes, fedidos, defumados e gelatinosos dos quais os judeus tendem a precisar subitamente em momentos de reflexão".

Em suas mãos, um bufê de funeral vira uma aula sobre a física quântica do consolo: "kugels de uma densidade impossível distorciam a luz e o tempo ao seu redor". Seu estômago está em chamas; sua mente, também.

"Aqui Estou" é o primeiro romance de Foer em 11 anos e é ele próprio uma espécie de bufê. É um romance sobre divórcio; sobre o estado da alma judaica; e, como uma barra de notícias em que as manchetes vão se sucedendo, corre um pesadelo distópico plausível. Um terremoto achatou Israel, e o mundo árabe aproveita esse momento para se unir e tentar esmagar o país.

É, em outras palavras, um prato cheio e ambicioso de intelecto e emoção. As observações são pontuais; os indícios de ruína ecoam, as piadas são divertidas. "Aqui Estou" é capaz de ativar os centros de prazer do leitor. Como o suco de uva kosher Kedem, é tão doce que, depois de um tempo, enjoa.

A crítica feita aos dois primeiros romances de Foer, ambos best-sellers –"Tudo se Ilumina" (2002) e "Extremamente Alto & Incrivelmente Perto" (2005)– era que, apesar de sua inteligência abundante, eram afetados. Em ambos a voz do autor praticamente sugeria: "Vejam como sou adorável".

Queríamos dele mais força e astúcia, mais Saul Bellow e Philip Roth. Em vez disso, teimava em sair da linha de trem Salinger na estação Família Glass, chegando a um beco de cor pastel que ele mesmo construíra.

"Aqui Estou" tem sua turma própria de crianças fofas e esforçadas, com aulas de violoncelo e esgrima e perguntas existenciais precoces. No entanto, é também o melhor e mais cáustico romance de Foer, repleto de tanta dor e tanto remorso que o coração do leitor às vezes tem dificuldade de dar conta de tudo.

"Aqui Estou" é principalmente sobre Jacob e Julia Bloch –ele, roteirista de TV, ela, arquiteta–, que vivem com seus três filhos num bairro de elite de Washington. Foer observa argutamente os detalhes reveladores de status: seu "aspirador Miele, liquidificador Vitamix, facas Misono, tinta Farrow and Ball", o fato de consumirem "quantidades freudianas de sushi".

Jacob e Julia têm consciência de sua sorte. Mas essa vida está se desintegrando. Julia encontra textos eróticos no celular de Jacob, enviados a outra mulher. Um casamento já frio vira um casamento fraturado.

"Aqui Estou" relata a separação arrastada e traumática deles, algo que alguns leitores vão vasculhar à procura de correspondências com o divórcio muito divulgado do próprio Foer e da escritora Nicole Krauss.

Julia e Jacob trocam insultos livremente, e todas as outras pessoas, também. Os diálogos são tão enxutos que podemos imaginar Foer escrevendo para o teatro. O melhor de "Aqui Estou" está em nos lembrar que, como disse Roth certa vez, "não é seu tema que faz um livro ser judaico –é o fato de o livro se recusar a calar a boca".

Aqui Estou

Jonathan Safran Foer

Comprar

O grande tema de "Aqui Estou" (o título vem da resposta de Abraão ao ser chamado por Deus) é a perda, e ele a examina sob vários ângulos. E é um sentido de perda acomete o leitor perto do final –uma perda acompanhada da consciência de que esse romance vigoroso equivale a menos que a soma de suas partes.

Sua simpatia insistente é cansativa. Os personagens começam a soltar insultos que parecem dirigidos próprio romance. O fato de Foer poder ser tão bom nos leva a julgá-lo segundo critérios mais elevados e exigir dele algo que chegue mais perto da grandeza.

Tradução de CLARA ALLAIN.

*

AQUI ESTOU
AUTOR Jonathan Safran Foer
TRADUÇÃO Daniel Pellizzari e Maíra Mendes Galvão
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 69,50 (592 págs.)