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    CRÍTICA

    Como outros originais, musical sobre HIV se perde pelo caminho

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    29/05/2017 02h00

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Os atores Bruna Guerin e Davi Tápias em cena de 'Lembro Todo Dia de Você', no CCBB
    Os atores Bruna Guerin e Davi Tápias em cena de 'Lembro Todo Dia de Você', no CCBB

    LEMBRO TODO DIA DE VOCÊ (regular)
    QUANDO sex., sáb. e seg., às 20h; dom., às 19h; até 26/6
    ONDE Centro Cultural Banco do Brasil, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651/3652
    QUANTO R$ 20 (16 anos)

    De Miguel Falabella a Möeller & Botelho, a busca de um musical nacional de fato, com composições originais, como aqueles de Chico Buarque ou Chiquinha Gonzaga, é um sonho recorrente. E frustrante, a cada nova tentativa.

    Não é diferente agora, com "Lembro Todo Dia de Você", da dupla Zé Henrique de Paula & Fernanda Maia, com Rafa Miranda. Algumas canções emocionam, mas a coesão de música, letras e história, que é a origem do musical contemporâneo, não acontece.

    O problema desta vez é que a trama não se desenrola pela música. São os diálogos que tocam o enredo.

    Diálogos não são o forte de Maia, que escreveu o texto, o chamado libreto, com a colaboração de Zé Henrique de Paula e Herbert Bianchi, a partir dos depoimentos de cinco rapazes com HIV.

    Maia responde, neste espetáculo, por texto, letras, direção musical e execução, como pianista. O que ela faz comprovadamente melhor, como se viu em "Urinal" e no recente "Senhor das Moscas", está na música.

    A limitação no roteiro se evidencia no final, com a cena de um julgamento. É uma sessão de terapia, um longo e estático quadro comandado por um analista, quase todo em diálogos, no qual a música tem função ilustrativa.

    Até então, com altos e baixos e apesar do figurino em maçantes tons de cinza, o musical acontecia. Melhor seria se tivesse prosseguido assim e tornado a cena final uma apoteose.

    Talvez devido à inexperiência em dramaturgia, acaba por retratar a Aids, hoje, com um enviesamento sentimental, piedoso -exigindo o mesmo do público. Contrasta com a produção teatral no momento de maior terror da doença, há mais de duas décadas, quando "Angels in America" e o musical "Rent", por exemplo, mesclavam excessos de tragédia e comédia.

    Além do texto, também as atuações vão por uma trilha melodramática. Embora seja um intérprete perfeito para o protagonista Thiago, tanto física como emocionalmente, Davi Tápias se perde -e ao público- quando é levado a chorar por uma meia hora.

    "Lembro Todo Dia" tem parentesco com "Company", musical histórico sobre um jovem e suas relações com o mundo. Mas aquele, a partir das canções, ergue papéis com contornos definidos. No brasileiro, ao contrário, os namorados de Thiago surgem como tipos que se definem em conversas rápidas.

    Não faltam qualidades esparsas, a começar pela cenografia engenhosa como sempre, desta vez unindo projeção de texto a uma parede vazada para a orquestra.

    Também as interpretações, dos namorados à mãe, têm boas passagens, ainda que fugidias. Os momentos mais consistentes de luz, neste espetáculo cinzento, acontecem quando entra em cena a atriz que faz a melhor amiga de Thiago, Bruna Guerin.

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