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    CRÍTICA

    Historiadora séria não despe de drama livro sobre Olga Benario

    SYLVIA COLOMBO
    DE BUENOS AIRES

    30/05/2017 02h05

    Em "Olga Benario Prestes - Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo", Anita Leocádia Prestes tenta descolar-se do próprio personagem para relatar a penosa história de seu nascimento em cativeiro e do relacionamento entre seus pais durante seus primeiros seis anos de vida -também os últimos de Olga.

    Anita fala de si em terceira pessoa, chama pelo nome os pais, a avó e a tia (Leocadia e Lygia, mãe e irmã do líder comunista), que a recebem da Gestapo para ser levada da Alemanha -primeiro a Paris, e depois, para o México.

    A falta de termos afetivos não esvazia o livro de seu tom dramático. Séria como historiadora, analisa de modo que pode parecer relatorial os documentos da Gestapo sobre sua mãe, mas isso não esconde as terríveis -e ternas- sensações que as revelações sobre seu passado suscitam.

    Divulgação
    A militante comunista Olga Benario Prestes pouco antes de partir da União Soviética para o Brasil
    A militante comunista Olga Benario Prestes pouco antes de partir da União Soviética para o Brasil

    Nos dossiês estão informes da polícia alemã sobre o comportamento de Olga, que detiveram até que a enviaram à câmara de gás no campo de Bernburg, em abril de 1942.

    Também estão no livro cartas escritas por e para Olga, principalmente as trocadas com Prestes e Leocadia.

    Apesar de o relacionamento do casal ter durado pouco mais de um ano -de dezembro de 1934, quando Olga escoltou Prestes de Moscou ao Brasil, até a prisão de ambos, no Rio, em março de 1936- eles se escreveram até o fim.

    As cartas, porém, tardavam meses. A Gestapo as filtrava, algumas se perdiam, outras só demoravam. Além disso, os alemães exigiam que a correspondência fosse em seu idioma, que Prestes foi obrigado a aprender sozinho, na cadeia.

    'COOPERAÇÃO'
    Constam do pacote os pedidos de Olga para ser liberada e reencontrar-se com a filha e a sogra e os que tratam de suas tentativas de obter vistos para outros países, alguns concedidos. Mas a resposta alemã era categórica: sua libertação estava fora de cogitação, a não ser que ela "cooperasse", falando das atividades do partido em Moscou, o que se recusava a fazer.

    O primeiro cativeiro de Olga foi a prisão feminina de Barnimstrasse. Ali, podia receber, de Leocadia e Lygia, alimentos, livros e revistas.

    Enquanto moviam uma campanha internacional para que Anita lhes fosse devolvida, as duas tornaram-se o único contato da prisioneira, uma vez que sua própria mãe se recusava a ajudá-la, considerando-a "uma fanática".

    Olga é descrita pelos alemães como "uma comunista perigosa e obstinada", e a libertação do bebê foi motivo de debate entre os oficiais.

    Por fim, considerando que levar a criança "a uma instituição em áreas do Reich" alimentaria a "imprensa marrom", libertam Anita, que aos 14 meses de idade, é entregue aos parentes paternos.

    As condições de Olga, então, se degradam. É enviada ao campo de concentração Lichtenburg, para onde não era permitido o envio de alimentos, e dali para o centro de detenção de Ravensbrück.

    Sua correspondência com Prestes não trata de política. O assunto mais constante é Anita, de quem recebem, aqui e ali, fotos enviadas por Leocadia e Lygia. Conversam sobre a descrição do caráter da filha. Olga se inquieta ao achar que Anita estava sendo mimada; Prestes a acalma.

    Outros assuntos são típicos de prisioneiros; falam de quanto conseguem dormir e comer, do isolamento, dos rigorosos invernos alemães.

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    A desesperança quanto a um reencontro, porém, se faz presente. A última mensagem de Olga demonstra que estava consciente de seu destino. Diz: "A última cidade foi Dessau. Mandaram-nos despir. Não maltratadas. Adeus".

    Dessau era a última estação antes de Bernburg, onde morreria -segundo o arquivo da Gestapo, de "insuficiência cardíaca causada por oclusão intestinal e peritonite".

    O livro complementa e enriquece sua biografia com o retrato de seu estado de espírito no fim da vida e do modo como ficou atenta ao destino da filha e ao de Prestes, mesmo depois de esgotadas as esperanças de revê-los.

    OLGA BENARIO PRESTES
    AUTOR Anita Leocadia Prestes
    EDITORA Boitempo
    QUANTO R$ 37 (144 págs.)

    Edição impressa

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