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    CRÍTICA

    Trunfo de 'Z: A Cidade Perdida' é celebração do espírito explorador

    MARCELO GLEISER
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    01/06/2017 02h00

    Divulgação
    O ator Charlie Hunnam, ao centro, como o explorador britânico Percy Fawcett, em 'Z: A Cidade Perdida
    O ator Charlie Hunnam, ao centro, como o explorador britânico Percy Fawcett, em 'Z: A Cidade Perdida'

    Z: A CIDADE PERDIDA (muito bom)
    (The Lost City of Z)
    DIREÇÃO James Gray
    ELENCO Charlie Hunnam, Robert Pattinson, Sienna Miller
    PRODUÇÃO José Olympio
    Veja salas e horários de exibição.

    Se você deseja assistir a "Z: A Cidade Perdida" achando que será uma nova versão dos filmes do Indiana Jones, melhor mudar de plano.

    Baseado no best-seller de não ficção de David Grann, o filme avança a passos lentos, com poucas cenas de ação. Talvez a parte mais animada seja uma reunião da Sociedade Geográfica Real (Royal Geographic Society) da Grã-Bretanha, quando o protagonista, o explorador inglês Percy Fawcett (Charlie Hunnan), tenta convencer seus colegas da existência de uma civilização perdida na Amazônia, entre a Bolívia e o Brasil, onde hoje é o Acre.

    Vemos um grupo de homens brancos, arrogantes e céticos, achando impossível que uma civilização avançada possa existir onde são encontrados apenas "selvagens".

    Fawcett precisava de um patrocinador para retornar à floresta, após ter algumas pistas de uma primeira viagem. São eles os sofisticados, argumenta Fawcett, não os europeus com seus preconceitos e guerras destruidoras.

    Acervo da Sociedade Geográfica Real
    O explorador Percy Fawcett na fronteira entre Brasil e Bolívia, em 1908
    O explorador Percy Fawcett na fronteira entre Brasil e Bolívia, em 1908

    Com fotografia grandiosa, o filme levanta temas que dominavam o mundo antes e durante a Primeira Guerra Mundial, quando os grandes impérios europeus e suas colônias na África, Ásia e nas Américas entravam em colapso.

    Em casa, Nina (a excelente Sienna Miller), a fiel esposa de Fawcett, representa a luta das mulheres pela emancipação e independência. A vastidão primal da floresta é contrastada com cenas horrendas nas trincheiras durante a guerra, onde a cultura supostamente civilizada devasta a terra, desfigura a natureza e transforma árvores e soldados em espectros. Um homem vale menos do que alguns metros de avanço.

    O filme é um tributo ao espírito desbravador que inspirou–e inspira–tantos a expandir as fronteiras do possível, abrindo portas para todos nós.

    Fawcett retorna várias vezes à floresta, ao lado de seu auxiliar Henry Costin (Robert Pattinson), encarando a brutalidade da natureza e nativos pouco amistosos.

    Todo cientista tem um pouco de Percy Fawcett (ao menos na sua versão cinematográfica): a busca pelo novo, pelo que pode se esconder sob o véu do conhecido. Claro, existe também a ambição e a busca pelo sucesso e reconhecimento. Mas a essência é o desejo de fazer a diferença, de deixar sua marca na vasta história do conhecimento.

    Infelizmente, o Percy Fawcett verdadeiro era bem diferente do representado na tela. O livro de Grann distorceu a história de dele, e o filme amplia o mito ainda mais. Segundo o explorador canadense John Hemming, apesar de Fawcett ter sido um excelente topógrafo da região, como explorador era medíocre.

    O melhor, me parece, é interpretar o filme como uma metáfora do espírito do explorador, sem se apegar à veracidade da narrativa. Felizmente, existem aqueles que são como o Fawcett do filme, pessoas apaixonadas que saem pelo mundo para ampliar as fronteiras do conhecido para todos nós. Esse espírito merece ser celebrado.


    MARCELO GLEISER é professor titular de física, astronomia e filosofia natural no Dartmouth College, nos EUA. Seu livro mais recente é "A Simples Beleza do Inesperado" (ed. Record)

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