• Ilustrada

    Saturday, 18-May-2024 09:11:19 -03

    Rodrigo Andrade engana o olhar com telas encharcadas de tinta

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    02/06/2017 02h00

    Divulgação
    Obra de Rodrigo Andrade, que está em mostra na galeria Millan.Credito Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Obra de Rodrigo Andrade, em mostra na galeria Millan

    Duas cavernas desenhadas na parede abrem a mais nova mostra de Rodrigo Andrade. Mas essas portas enganam. Em vez de fendas, esses são corpos volumosos, que saltam da superfície do muro em camadas grossíssimas de tinta, um fantasma ou ausência que parece se materializar.

    Elas lembram os falsos túneis ou alçapões pintados como armadilhas em desenhos animados, compondo um arsenal "trompe l'oeil".

    Nos dois espaços da galeria Millan, em São Paulo, Andrade articula uma exposição em três movimentos –paisagens, abstrações e figuras. Todos, no entanto, são regidos pelo mesmo "pensamento binário", nas palavras do artista.

    Dois personagens se enfrentam, dois campos chapados de cor se confrontam, como placas tectônicas que se roçam criando cordilheiras cromáticas, enquanto figura e fundo se invertem nas representações de florestas e cavernas, onde aquilo que está mais longe, mergulhado na escuridão, na verdade é o que mais salta da superfície do quadro.

    "É um buraco que tem corpo", resume o artista. "Um oco que ganha um corpo."

    Um dos nomes mais relevantes da pintura no país, Andrade se firmou ao longo das últimas três décadas com uma reflexão sobre o peso da tinta, exaltando a materialidade de um quadro antes condenado a uma superfície chapada.

    Nesse sentido, suas telas se tornam quase esculturas, com elementos que saltam da parede em massas de cor. Mais do que visual, a sua é uma pintura tátil, que seduz os sentidos ao mesmo tempo em que desafia a gravidade.

    Mas algo mudou. Depois dos cenários urbanos mergulhados na escuridão que mostrou na Bienal de São Paulo há sete anos, Andrade aboliu o realismo daquelas cenas e agora assume um ar quase caricato, reduzindo o mundo a silhuetas rudimentares.

    INOCÊNCIA VULGAR

    Ou vulgares. "É como se eu tentasse ser o mais vulgar possível, o mais iconoclasta", afirma. "Eu me separei da imagem fotográfica, mas não é que já tivesse um esquema pronto. Era um desejo de injetar inocência no trabalho."

    Inocentes ou não, essas novas telas, por mais que evoquem desenhos animados, ainda habitam a mesma frequência soturna e carregada que marca a obra do artista.

    No fundo, Andrade busca na materialidade da pintura um alicerce, como se fizesse aflorar em cada quadro a robustez de uma arquitetura que às vezes ameaça se desmanchar no ar. Em vez de delinear esqueletos e estruturas, suas telas se refestelam na pele e na carne, dando a mesma carga e o mesmo corpo a todos os cheios e vazios.

    Mas essa sua obsessão pelo excesso, no caso, talvez não passe de uma confissão de seu horror diante da ausência, a sensação de pânico à beira do abismo de uma realidade que se faz cada vez mais rarefeita.

    RODRIGO ANDRADE

    QUANDO de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., 11h às 18h; até 1º/7

    ONDE Millan, r. Fradique Coutinho, 1.360, tel. (11) 3031-6007

    QUANTO grátis

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024