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    Crítica

    Murakami mescla autoajuda e anedotas em livro de método raro

    ALVARO COSTA E SILVA
    COLUNISTA DA FOLHA

    06/06/2017 02h00

    Henning Bagger/AFP
    O escritor Haruki Murakami em frente à casa de Hans Christian Andersen na Dinamarca, em 2016
    O escritor Haruki Murakami em frente à casa de Hans Christian Andersen na Dinamarca, em 2016

    Romancista como Vocação
    QUANTO: R$ 39,90 (168 PÁGS.); R$ 27,90 (E-BOOK)
    AUTOR: HARUKI MURAKAMI
    EDITORA: ALFAGUARA
    TRADUÇÃO: EUNICE SUENAGA

    No Japão, os de Haruki Murakami costumam sair, em primeira edição, com tiragem superior a 300 mil exemplares –e esgotam.

    Para comparar: no Brasil atual, se um autor de ficção tirar 10 mil cópias de um título, promove-se uma queima de fogos em Copacabana.

    Candidato persistente ao Nobel, traduzido em mais de 50 idiomas, com status de ídolo pop, Murakami é um fenômeno. Até porque a multidão que o idolatra é proporcional à que o despreza.

    Ambos os grupos têm bons motivos para ler "Romancista como Vocação", misto de autoajuda, relato autobiográfico, anedotário e reflexões sobre o ofício de escrever.

    Mesmo entre seus admiradores, há duas correntes: os que preferem as obras que tratam de relacionamentos amorosos (como "Norwegian Wood", seu maior êxito de vendas), e os que são fascinados pelo mundo paralelo de suas narrativas, onde tudo pode acontecer, até os gatos falarem ("Caçando Carneiros", "Dance Dance Dance").

    A se acreditar no que ele conta nos 11 pequenos ensaios de "Romancista como Vocação", nada lhe é estranho. Muito menos a literatura. Sua própria vocação está ligada a um toque de mistério.

    Em 1978, já com 30 anos, dono de um bar de jazz em Tóquio, com dificuldade para pagar as contas, dormindo abraçado a um gato para se esquentar, tomou coragem e resolveu virar escritor. Mas só após assistir a uma partida de beisebol, na qual um jogador fez um "som agradável" ao atingir a bola com o taco.

    Foi uma epifania: "Nesse momento pensei subitamente, sem nenhum contexto e sem nenhum fundamento: 'É, talvez eu também possa escrever romances'".

    Seus métodos também são raros. Em busca de um estilo original para o primeiro romance, "Ouça a Canção do Vento", resolveu substituir o japonês pelo inglês, e assim evitar as "palavras difíceis".

    Traduziu o texto e descobriu um modo diferente de escrever em sua língua. Críticos apontaram a pobreza da linguagem. Jovens aprovaram.

    Sem pudores, Murakami revela que, ao iniciar uma nova obra, torna-se um cronista sem assunto: "A minha única opção é escrever que 'não tenho nada para escrever'. Ou melhor, achei que deveria usar como arma o fato de 'não ter nada para escrever' e partir dessa premissa".

    Outra declaração curiosa envolve a decisão de "afrouxar o texto aqui e ali".

    Para ele, um romance necessita de partes "desleixadas e frouxas". Uma compensação para as partes mais "condensadas", equilibrando o efeito que espera despertar nos leitores. Murakami não exemplifica esse processo de relaxamento, mas quem leu a imensa e desigual trilogia "1Q84" pode imaginar.

    Considera-se mais romancista do que contista. Esta seria uma atividade preparatória para o grande salto das narrativas longas. Pode ser. Mas não explica por que o volume de contos "Homens Sem Mulheres" (que exsuda Hemingway desde o título) é um de seus melhores livros.

    Romancista Como Vocação
    Haruki Murakami
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    Não há um capítulo sobre influências literárias, mas, ao longo do livro, é fácil detectá-las: Scott Fitzgerald, Raymond Chandler, Salinger, Raymond Carver, Kurt Vonnegut, Agota Kristof e o Dostoiévski de "Os Demônios".

    Três japoneses são citados: Soseki Natsume, Kenji Nakagami e Ryû Murakami (sem parentesco). Os Beatles, lógico. O jazz: "Fui criando meu texto como de estivesse tocando uma música". As corridas de longa distância: o homem é maratonista e triatleta. E, cá entre nós, às vezes cansa.

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