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    Inspirado em Chico, rapper louva Bolsonaro e projeta vertente 'reaça'

    AMANDA NOGUEIRA
    DE SÃO PAULO

    06/06/2017 02h11

    Helder Tavares/Folhapress
    RECIFE, PE, 18.05.2017: Retrato do rapper de direita Luiz, o Visitante para a matéria de capa da Ilustrada sobre 'rappers reaça'. Em suas canções, Luiz enaltece figuras como Bolsonaro e Ustra. (Foto: Helder Tavares/Folhapress/ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO FOLHA***
    O rapper recifense Luiz, o Visitante enaltece Ustra e Bolsonaro em suas letras

    Neste ano, Luiz Paulo Pereira da Silva, 22, pretende fazer suas primeiras tatuagens. Ele já está certo de quem quer retratar: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o ex-presidente Emílio Garrastazu Médici e o general Newton Cruz.

    "Quero fazer igual à capa dos Beatles [do álbum 'Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band'] nas minhas costas. Eles não botaram o rosto das figuras que eles mais gostavam? Vou fazer igual", afirma.

    O retrato resume o pensamento ideológico do estudante de psicologia que se diz o primeiro rapper de direita do país. Os versos louvam o conservadorismo e clamam pela "moral e os bons costumes".

    Apesar de se considerar o pioneiro do "rap destra", isto é, de direita, Luiz não é o único a subverter os temas correntes do gênero –que geralmente aborda a truculência policial e a vida cotidiana nos subúrbios, por exemplo.

    Há uma série de rappers amadores que também critica projetos vinculados à esquerda. Alguns não chegam a endossar a direita, mas apoiam o conservadorismo de outras formas, como o religioso.

    Marlon Black Style

    É o caso do Marlon Black Style, um policial que canta rap gospel. "Sou conservador no que diz respeito à Bíblia", diz ele, que ganhou visibilidade ao ser filmado duelando rimas com dois jovens em um vagão de trem de São Paulo.

    Guilherme Zambaldi, autor de "Utopia", contra o sistema comunista, não adere à direita, mas se diz contrário ao aborto e à ideologia de gênero, por exemplo. "Eu não fico levantando bandeira de direita, pois o meu foco é o Evangelho de Jesus", diz. "Às vezes, parece que tanto a esquerda quanto a direita se comportam como robôs programados por um padrão.

    Em 2016, cinco rappers profissionais gravaram um vídeo do movimento Vem pra Rua, grupo de direita que articulou manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Buddy Poke, MC Maomé, Estudante, Gok e Caio Kacurin se tornaram alvo de críticas da comunidade hip-hop.

    Procurados pela reportagem, nenhum deles quis se manifestar. O empresário de Maomé, integrante da ConeCrew e protagonista de diversos episódios envolvendo acusações de machismo, disse que o grupo não iria se posicionar politicamente. O assessor de Buddy Poke afirmou que o vídeo causou "vários e vários problemas" ao rapper.

    A represália já é conhecida de Luiz, o Visitante, nome artístico que Silva assumiu para lançar "Super-Heróis", faixa em homenagem à Polícia Militar -antes, ele era conhecido como Mr. Gângster.

    Ele conta que chegou a levar uma pedrada no pé sob xingamentos de "fascista" e a ser hostilizado em um ônibus.

    "Eles falam tanto que o rap é livre e que pregam a liberdade de expressão, mas são contra a minha, eu não sou contra a deles", afirma Luiz.

    Morador da Macaxeira, bairro pobre da zona norte do Recife, ele descobriu o rap quando sua mãe tinha um bar na cidade vizinha de Cabo de Santo Agostinho.

    Ao observar a maioria dos raps brasileiros, Luiz conta que encontrou "muita coisa incoerente nas letras deles, demonizando a polícia, por exemplo". "Mas quando são assaltados ou roubados, não vão ligar pra bandido."

    No entanto foi justamente nos artistas de esquerda que Luiz se inspirou para compor. "Chico Buarque é um dos maiores compositores do Brasil, pra ser sincero. Acho fascinante a mensagem subliminar nas letras dele, eu queria fazer aquilo, hoje faço pra falar mal deles." "Falar mal não, falar a verdade", corrige-se.

    Em 2014, ganhou notoriedade com "Bolsonaro, o Messias". Foi o próprio deputado que a lançou nas redes sociais -a faixa ganhou ainda mais espaço durante as manifestações pró-impeachment.

    Luiz diz não ligar para o rótulo de "rap reaça". "Se eles defendem um ponto de vista que a gente não concorda, ou que vai influenciar mal a sociedade, a gente vai reagir."

    Às vezes, ele diz que até força a barra para ajudar o marketing. Em "#UstraVive" entoa "viva o regime militar". "Falei de um jeito que foi pra chocar, mas não defendo a volta do regime militar, defendo que foi necessário naquele momento contra a tentativa de golpe comunista".

    Reprodução
    Fãs de Luiz, o Visitante em cena do vídeo de "#UstraVive"
    Fãs de Luiz, o Visitante em cena do vídeo de "#UstraVive"

    APROPRIAÇÃO
    Para Acauam Oliveira, doutor em música popular pela USP, o fenômeno não tem a ver com a cultura hip-hop nem com sua trajetória no Brasil.

    "É uma espécie de anomalia que surge no campo político e que passa para o campo da música, fruto da polarização ideológica que estamos acompanhando hoje", diz.

    Oliveira afirma que os conservadores se apropriam e subvertem os recursos do campo progressista com relativa facilidade devido a uma "fragilidade da própria esquerda em criar estratégias mais sólidas para conseguir o apoio de novas bases".

    Ele ainda cita a abertura temática e a absorção de artistas de outros gêneros, como da MPB, como fatores que levaram ao afastamento do rap de suas bases comunitárias. "Isso acaba gerando um vácuo que vai ser disputado por outros setores, como o campo conservador."

    Trata-se, diz ele, de uma "estratégia mais ou menos bem-sucedida da direita de parodiar estratégias e fenômenos da esquerda".

    *

    CONSERVADORES
    Veja trechos de faixas que criticam a esquerda

    Buddy Poke, em vídeo do movimento Vem pra Rua
    Vish, a Dilma chegou, créu/ Se é pra ferrar com o Brasil eu quero pelo menos uma bolsa motel/ Pai do céu, o Lula quer ser Fidel Castro, corrupção e ação e ninguém encontra o rastro ou mesmo o astro/ Quer transformar Brasil em Cuba/ numa ilha com golfinhos e sopa de tartaruga

    'Utopia', de Guilherme Zamba
    Este é mais um rap nacional, tá ligado, só que pelo marxismo cultural não foi contaminado
    Dizem que o verdadeiro rap é de protesto, então toma meu manifesto/ Tá tudo invertido/ Hoje quem é fascista são aqueles que são contra o sistema comunista
    Quanta incoerência/ hipocrisia é o nome
    Esquerda caviar socialista de iPhone
    Tríplex no Guarujá, fortuna extravagante pá
    Tem quem defende e até em armas quer pegar
    Artistas de TV defendendo o PT
    Mamando na Lei Rouanet com gordo cachê
    Querem perpetuar o Bolsa Família pra favela
    E pagam para seus manifestas pão com mortadela

    '#UstraVive (Um Rap Reaça)', de Luiz, o Visitante
    As crianças são Ustra, mulheres são Ustra, somos todos Ustra
    A gente entende que, independente de idade, não foge da luta
    Os moleques aprendem a brincar de polícia e policia é a nossa cultura
    De pequeno se aprende que bandido bom é bandido na soltura
    Não é por igualdade que tem cota racial
    Mas pra que de fato o racismo se torne real
    Cobrar divida histórica agora é fazer o mesmo
    Só que branco subordinado do preto
    Não querem igualdade, querem vingança
    Como se o erros carregássemos de herança
    Antes de dar play em rap, escute o Bolsonaro
    Antes de clicar no Genius, leia Olavo de Carvalho, é...
    Viva o regime militar
    Pró direita vou militar

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