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    CRÍTICA

    Longa faz panorama sensível do ensino público pela voz dos alunos

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    08/06/2017 13h58

    Divulgação
    Nunca me sonharam [Nunca me sonharam, Brasil, 2017], de Cacau Rhoden (Maria Farinha Filmes). Genero: documentario. ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena de 'Nunca Me Sonharam', documentário que trata do ensino médio nas escolas públicas do país

    NUNCA ME SONHARAM (bom)
    DIREÇÃO Cacau Rhoden
    PRODUÇÃO Brasil, 2017, 10 anos
    Veja salas e horários de exibição.

    "Eles nunca me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam sendo professor, nunca me sonharam sendo um médico, não me sonharam. Eles não sonhavam e nunca me ensinaram a sonhar. Tô aprendendo a sonhar sozinho."

    O relato de Felipe Lima, secundarista de Nova Olinda (CE), sobre a expectativa de seus pais analfabetos em relação ao futuro do filho dá título ao sensível documentário de Cacau Rhoden sobre ensino médio público no Brasil.

    O setor é eterna "prioridade" dos governos por ser sabidamente estratégico para o desenvolvimento. Mas o fato de o Brasil estar sempre mal colocado nos rankings internacionais de avaliação de alunos em leitura, ciências e matemática indica que essa valorização é retórica.

    Com isso, 82% dos jovens brasileiros de até 19 anos estudam hoje na rede pública, com todos os seus problemas estruturais, de formação e de retenção.

    É no desencontro entre os sonhos dos adolescentes brasileiros e a baixa oferta de oportunidades a eles oferecidas que "Nunca Me Sonharam" é construído –ao mesmo tempo em que desconstrói a ideia, tão em voga, de meritocracia.

    O longa-metragem abre mão da abordagem vertical de um punhado de casos e, a essa receita, prefere a feliz opção por um amplo panorama de estudantes secundaristas do país.

    São muitas dezenas de entrevistas com jovens de capitais e cidades do interior nas cinco regiões do país.

    De Porto Alegre (RS) a Santarém (PA), de Goiânia (GO) a Juazeiro do Norte (CE), a diversidade de sotaques e cenários, evidenciados por uma fotografia de aspiração poética, se contrapõe a uma potência comum de querer mudar o mundo, frustrada pela consciência dos alunos de que estão expostos a uma educação limitada e limitante.

    São educadores, psicanalistas, economistas e antropólogos que elaboram esse conflito: o jovem pobre tem a infância e a juventude encurtadas por obrigações econômicas precoces, sua educação é instrumental. Com isso, tem seus talentos desperdiçados, o que reitera a desigualdade do país, aumentando seu custo.

    Para além desse triste e conhecido diagnóstico, no entanto, "Nunca Me Sonharam" parte para proposições e para a apresentação de boas práticas promovidas, não por políticas públicas, mas pelo compromisso de quem faz educação no país.

    É assim na escola de Cocal dos Alves, no interior do Piauí, que conseguiu obter desempenho acima da média nacional mesmo num município com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do país.
    Ou no caso da escola fluminense em que o diretor formou um time de futebol com seus alunos mais "problemáticos" para se aproximar deles e lhes ensinar a importância da dedicação na obtenção de resultados.

    Como preâmbulo, "Nunca Me Sonharam" destaca o artigo 205 da Constituição: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

    Num momento de crise de um país que sempre se sonhou "grande", "Nunca Me Sonharam" cumpre o importante papel de lembrar que certas premissas republicanas precisam, para serem efetivas, da colaboração e cobrança de todos.

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