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    Brasileiro gosta de ação, violência e sacanagem, diz Carlo Mossy

    RAFAEL SPACA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    14/06/2017 02h00

    Ricardo Borges/Folhapress
    Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 07/06/2017; Retrato de Retrato de Carlo Mossy., um dos expoentes nas décadas de 70 e 80, das comédias eróticas (pornochanchadas). ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
    O ator e diretor Carlos Mossy, no Rio de Janeiro

    Moisés Abrão Goldszal é um nome pouco familiar no cinema nacional, mas quem viveu intensamente os anos 1970 e 1980 provavelmente assistiu a algum filme deste campeão de bilheteria, Carlo Mossy.

    "Como É Boa Nossa Empregada", "Essa Gostosa Brincadeira a Dois" e "Com as Calças na Mão" são exibidos com frequência na TV paga e em mostras cinematográficas.

    Nascido em 1946 em Tel Aviv, veio para São Paulo aos quatro anos. Em 1967, passou a se chamar Carlo Mossy após conversar com o ator Peter Sellers (1925-80). O nome surgiu de uma piada do colega e o sobrenome é Moisés em polonês, idioma de origem de seus pais.

    Seu primeiro papel no cinema foi em "Copacabana me Engana" (1968), de Antônio Carlos da Fontoura. Mossy era considerado um dos maiores galãs do seu tempo.

    Em abril, foi homenageado no Curta Circuito, em Belo Horizonte e, no começo deste mês, na Cinemateca do MAM do Rio. Nos últimos anos, produziu curtas e se reinventou como documentarista.

    "Quando a política monetária interfere no entusiasmo realizador de um cineasta, mesmo consagrado e tradicional como eu, para não fugir do mágico ofício, adentra-se no universo do documentário. Um gênero fílmico bem mais em conta e mais ágil a ser finalizado como cinema."

    Folha - Sua carreira cobre todos os gêneros, seja na direção, na produção ou na atuação, mas sua imagem está muito associada à pornochanchada. Isso o incomoda?

    Carlo Mossy - Nem um pouco, muito pelo contrário. A pornochanchada nada mais é do que um gênero antropológico de filme comportamental. Todo cidadão brasileiro já nasce pornochanchadeiro. Alguns assumem essa essência, outros, sem conhecer o lado experimental e prazeroso, só vegetam, não vivem.

    O sr. acha então que o gênero foi mal compreendido?

    A cultura da mesquinhês e da hipocrisia é corriqueira em nosso ambiente celuloidico.

    A geração atual tem um olhar menos enviesado sobre as comédias eróticas produzidas naquela época?

    Essa geração desconhece por completo o significado da arte cinematográfica num todo, com raríssimas exceções. As pornochanchadas são hoje cultuadas, pois são objeto de estudo antropológico, cultural e social. Reportam a um tempo em que o fator romântico se apoderava dos filmes populares de antanho.

    Os filmes eram dirigidos sob uma ótica masculina. A mulher era um alvo a ser conquistado. O empoderamento feminino o faria filmar hoje uma mulher como a dona de seus desejos?

    Dirigia meus filmes dando espaço ao empoderamento femeal, por mais superficiais e machistas que possam ter sido retratados. A mulher e o seu natural e belicoso empoderamento ditam as regras à subserviência machista.

    As pornochanchadas seriam aceitas pelo público hoje?

    Elas existirão enquanto existir a gâmica essência do ser humano. A pornochanchada registra o aspecto natural e social comportamental de uma sociedade, na maioria das vezes, pseudointelectual, quando não falso-moralista.

    O público gosta de quê?

    Há a elite do cinema hermético no país, que representa no máximo 2% do público pagante. O resto, conhecidamente "desculturalizado", sobretudo politicamente, adora o cinema popular de sacanagem, violência e ação.

    O sr. se manifesta bastante sobre política nas redes sociais. Não lhe dá dor de cabeça?

    Não tenho partido nem confio em político. O viés do vil metal manobra visceralmente os anseios de qualquer cidadão/político. Claro que sempre haverá o idealista convicto, mas terá que, num momento do mandato, dançar a música da maioria da bancada.

    Affonso Beato/Divulgação
    Cinema: os atores Odete Lara e Carlo Mossy em cena do filme "Copacabana me Engana" (1969). (Foto: Affonso Beato/Divulgação) *** DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM ***
    Odete Lara e Carlo Mossy em 'Copacabana me Engana'

    Faz tempo que escreve sua biografia. Quando será publicada?

    Minhas memórias fluem, não param. Moto-contínuo em minhas memórias, que, em última análise, renascem casuísticas a cada instante.

    Onde o sr. errou?

    Logo eu, errar? Jamais! Sou vencedor desde que descortinei pela primeira vez as luzes da sala do hospital, ao nascer. Dizem que, ao levar a oxigenada palmada na bunda, comecei a rir, ao invés de chorar.

    *

    SEIS VEZES CARLO
    Andrea Ormond, autora da trilogia de livros 'Ensaios de Cinema Brasileiro', comenta a produção de Mossy:

    Ódio (1977)
    É uma espécie de "Desejo de Matar" (1974) ou "A Outra Face da Violência" (1977) acrescido de informações ocultas no Beco da Fome e na paixão cinéfila do diretor. Trabalhando e retrabalhando cada ideia e cada cena com esmero, Mossy queimou a língua de seus eternos patrulhadores e conseguiu algo raro na filmografia brasileira: uma obra-prima universal, plena de entendimentos e significados em qualquer idioma

    O Sequestro (1981)
    Ele é ator e produtor deste filme baseado no livro de Valério Meinel sobre o Caso Carlinhos, menino sequestrado no Rio, em 1973, e desaparecido para sempre

    Copacabana me Engana (1968)
    Na estreia de Mossy no Brasil como ator de cinema, o filme de Antonio Carlos da Fontoura realiza uma síntese bem azeitada da classe média brasileira dos anos 1960

    Estranho Triângulo (1970)
    Drama com direção de Pedro Camargo. Mossy, na flor dos 23 anos, é observado minuciosamente pela câmera, seja namorando a púbere Lúcia Alves ou discutindo política com Walter (José Wilker), no muquifo estudantil onde moram

    O Homem do Ano (2003)
    Mossy retorna às telas e faz boa performance como o delegado Santana neste filme de José Henrique Fonseca, baseado no romance "O Matador", de Patrícia Melo

    Réquiem para Laura Martin (2011)
    Filme interessante e pouco visto, com direção de Luiz Rangel e Paulo Duarte, no qual Mossy faz uma participação coadjuvante

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