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    CRÍTICA

    De alta voltagem lírica, Frank O'Hara tem poemas traduzidos

    RODRIGO GARCIA LOPES
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    17/06/2017 02h00

    Handout/MoMa
    O poeta americano Frank O'Hara (1926-1966)
    O poeta americano Frank O'Hara (1926-1966)

    MEU CORAÇÃO ESTÁ NO BOLSO (muito bom)
    AUTOR Frank O'Hara
    TRADUÇÃO Beatriz Bastos e Paulo Henriques Britto
    EDITORA Luna Parque
    QUANTO R$ 40 (88 págs.)

    *

    "Meu Coração Está no Bolso" traz 25 poemas de Frank O'Hara (1926-1966), um dos poetas americanos mais relevantes da segunda metade do século 20. No Brasil, desde os anos 1990, ele vinha sendo traduzido esparsamente, mas esta é a primeira reunião de poemas dele em livro.

    O'Hara costuma ser considerado figura central da chamada Escola de Nova York. O termo define não um movimento, mas um grupo de poetas-amigos com interesses em comum: o horror ao formalismo estéril dominante na poesia do pós-Guerra, a pintura expressionista abstrata e uma atitude informal e antiacadêmica.

    A poesia de O'Hara, coloquial e de alta voltagem lírica, é tributária de Walt Whitman, do surrealismo e, sobretudo, do lirismo ambiente, do simultaneísmo, dos poemas-passeios e poemas-conversas de Apollinaire. Quer captar o imediato, o aqui-e-agora do poema, numa espécie de zen nova-iorquino.

    Uma de suas marcas registradas é começar o poema precisando o dia, hora, o clima ou local de sua ocorrência, como em "O Dia em que Lady Morreu": "São 12:30 em Nova York uma sexta / três dias após o Dia da Bastilha, sim / estamos em 1959 e estou no trem indo ao engraxate / pois vou saltar do trem das 16:19 em Easthampton / às 9:15 eu vou direto jantar / e nem conheço as pessoas que vão me dar de comer".

    Ler poemas como esse ou o delicioso "A Um Passo Deles" é tentar acompanhar, em tempo real, a mente atenta e fantasista do poeta enquanto flana pela metrópole e a incorpora fragmentariamente.

    Já "Versos para os Biscoitos da Sorte" é composto apenas de frases paratáticas inspiradas nas mensagens "positivas" de biscoitos da sorte de restaurantes chineses, satirizando seu tom de profecia.

    O livro traz também outros poemas representativos como "Autobiografia Literária", "O Amante", e "À Memória de Meus Sentimentos".

    As traduções são de alto nível, recriando os poemas em português e as características linguísticas, os vários registros da poesia de O'Hara, muitas vezes com ganhos.

    Exemplo rápido: o penúltimo verso de "Avenida A", "but for now the moon is revealing itself like a pearl" é vertido como "mas por ora a lua se desnuda como uma pérola". Aqui, a própria linguagem simula, com sua dança de letras, o strip-tease lunar.

    Os 25 poemas representam 4,9% de sua obra (constam 510 peças na edição de seus poemas completos). Como dar conta, em poucas peças, de uma poesia que, além de profusa e frenética, é marcada por várias fases e estilos?

    O livro tem o mérito de ser bilíngue (crucial em matéria de poesia), mas a colocação dos originais ao lado das traduções, e não no fim do livro, seria uma decisão editorial mais acertada.

    Apesar de terem ficado de fora poemas essenciais e representativos, é uma iniciativa louvável em tempos de trevas: "estamos mesmo em apuros, esparramados / pés para cima apontando o sol, rostos / minguando na escuridão colossal".

    RODRIGO GARCIA LOPES é autor de "O Trovador" (Record) e "Experiências Extraordinárias" (Kan)

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