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    Após causar furor no Brasil, Pirandello tem celebração fraca de seus 150 anos

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    DE SÃO PAULO

    17/06/2017 02h00

    Reprodução
    Pirandello retratado em imagem sem data
    Pirandello retratado em imagem sem data

    Se foi um dos nomes a marcarem o teatro brasileiro na primeira metade do século 20, o dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936) parece ter saído de moda por aqui.

    São pouco numerosas as celebrações no país do 150º aniversário do autor siciliano, Nobel de Literatura, comemorado no próximo dia 28.

    À parte alguns encontros, o Instituto Italiano de Cultura receberá no próximo semestre uma mostra de filmes e, em novembro, fará um congresso sobre o dramaturgo em parceria com a USP e a UFRJ.

    Além disso, voltou ao cartaz há algumas semanas uma montagem, dirigida por Marco Antônio Pâmio, de "Assim É (Se Lhe Parece)", peça cuja primeira encenação, no teatro Olimpia de Milão, faz cem anos no domingo (18).

    "Não se está fazendo quase nada sobre isso", diz Alessandra Vannucci, professora do curso de direção teatral da UFRJ e estudiosa do autor.

    Para Martha Ribeiro, professora do departamento de artes da Universidade Federal Fluminense e coordenadora do projeto Pirandello Contemporâneo, que busca um resgate do dramaturgo, o italiano ainda é muito pouco estudado no Brasil, em especial a sua escrita teatral.

    Elas creditam o desuso da obra pirandelliana em parte à ascensão no Brasil do teatro pós-dramático, que ressalta os elementos cênicos (como o cenário e a iluminação) e outras linguagens artísticas em detrimento do texto.

    E também a um rechaço de sua dramaturgia a partir da década de 1960, época de resgate de um nacionalismo no teatro brasileiro –e quando Pirandello foi considerado por muitos um autor burguês.

    Ainda dizem que houve uma banalização da estética do autor e do que veio a ser chamado de "pirandellismo": um metateatro que questiona o que era realidade ou ficção.

    "Pirandello dizia que o 'pirandellismo' o matou, que o deixou fixo nesse teatro 'de tese', esse artifício [sobre a realidade] hoje considerado ultrapassado", afirma Ribeiro, que também é autora de "Luigi Pirandello: um Teatro para Marta Abba" (ed. Perspectiva). "E ele é mais do que isso. Há uma característica de sonho e de melancolia na obra dele."

    O ator Cacá Carvalho, que realizou uma trilogia de monólogos a partir da obra do italiano –série que ele pretende reencenar ainda neste ano– ressente a falta de montagens. "Cada vez que estreia uma, eu me acendo."

    O intérprete acredita haver uma leitura equivocada do cômico no texto pirandelliano: o autor diferenciava a comédia (de riso rasgado) do humor (com tom de melancolia) que buscava em sua obra.
    Para Marco Antônio Pâmio, "há um risco em transformar essas peças em comédias de costumes, e não é isso".

    RUPTURA

    A estética pirandelliana, um modernismo futurista que transitava entre a interpretação e performance, representou uma ruptura no teatro brasileiro na primeira metade do século 20. Numa época em que a produção nacional era marcada por comédias ligeiras, ele "introduziu um conceito de realismo revolucionário", diz Vannucci.

    Dos anos 1920 aos 1950, uma série de suas peças teve montagens marcantes no país, do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) ao Teatro dos Sete, grupo de Fernando Torres e Fernanda Montenegro.

    A influência chegaria à nossa própria dramaturgia. Em seu livro "Nelson Rodrigues Pirandelliano", por exemplo, Yuri Brunello, professor do departamento de letras da Universidade Federal do Ceará, teoriza como o italiano teria deixado marcas na obra rodriguiana, em peças psicológicas como "Vestido de Noiva".

    Em 1927, o próprio autor passou pelo Brasil, em turnê pela América Latina. Chegou com seu grupo, o Teatro d'Arte di Roma, no papel de capocomico (diretor artístico e encenador) e apresentaram boa parte da obra do dramaturgo.

    Conta-se que foi nessa turnê que ele gestou sua derradeira peça, "Os Gigantes da Montanha" (1931), uma alegoria de sua própria trupe.

    FUROR

    Quando Pirandello chegou ao país, sua dramaturgia já era conhecida por aqui.

    O ator Jaime Costa, rosto famoso dos palcos à época, fazia sucesso havia dois anos com "Pois É Isso", versão de "Assim É (Se Lhe Parece)".

    Era inevitável o furor com a vinda do dramaturgo naquela "belle époque" brasileira, conta Vanucci, italiana que pesquisa migrações artísticas entre a Itália e a América Latina. "O nome dele estava em caixa alta nos jornais."

    Irônico e pouco afeito a grandiloquências, Pirandello não poupava sua acidez ao descrever a pompa com que foi recebido no país, explica a professora da UFRJ.

    Em um artigo, ela descreve a sessão solene que o dramaturgo "aguentou" em sua homenagem na Academia Brasileira de Letras. Noutro, replica a descrição do italiano ao sair Theatro Municipal paulistano quando sua companhia encenava "Seis Personagens à Procura de um Autor":

    "Transcorrida quase que uma hora de representação, resolvi me arriscar a sair do teatro, supondo que tudo já estaria terminado. Me enganava. Todo mundo estava lá me esperando, não sei dizer se para me bater ou para me aplaudir. Pensei que talvez era para bater, porque um policial achou melhor que eu entrasse num automóvel. Quando o carro saiu, ouvi gritar: 'O maluco se foi! O maluco se foi!'."

    No Rio, o dramaturgo também decidiu assistir a uma sessão de gala do "Pois É" de Jaime Costa, que se dizia "o único intérprete do teatro de Pirandello no Brasil".

    Depois da apresentação, o italiano disse a jornalistas que gostara muito da montagem, apesar de não ter compreendido nada: "Por isso mesmo [gostei]", explicou à época ao "Correio da Manhã".

    "O senhor Jaime me fixava como para me consultar e eu acenava aprovando." Poucos dias depois, Pirandello descobriu que Jaime Costa nunca lhe pagara um tostão de direitos autorais.

    MONTAGENS DE PIRANDELLO NO BRASIL

    ASSIM É (SE LHE PARECE)

    Rosana Mauro/Divulgação
    Cena da montagem de 'Assim É (Se Lhe Parece)', com direção de Marco Antonio Pamio
    Cena da montagem de 'Assim É (Se Lhe Parece)', com direção de Marco Antônio Pâmio

    Marco Antônio Pâmio dirige uma montagem do texto, que questiona o conceito de verdade. O elenco conta com Bete Dorgam e Joca Andreazza. A peça está em cartaz até 25/6, às sextas e sábados, às 21h, e aos domingos, às 19h, no teatro Itália (av. Ipiranga, 344, tel. 11-3120-6945; ingr.: R$ 60; 12 anos).

    GRUPO GALPÃO

    Guto Diniz/Divulgação
    Cena da peça 'Os Gigantes da Montanha', do Galpão
    Cena da peça 'Os Gigantes da Montanha', do Galpão

    A companhia mineira estreou em 2013 uma versão de "Os Gigantes da Montanha", com direção de Gabriel Villela. Fábula alegórica sobre o fazer teatral, o derradeiro e inconcluso texto de Pirandello ganhou linguagem barroca do encenador mineiro. A montagem será apresentada na turnê de 35 anos do Galpão.

    TBC

    Divulgação
    Paulo Autran e Tônia Carrero wm 'Seis Personagens à Procura de um Autor', na década de 1950
    Paulo Autran e Tônia Carrero wm 'Seis Personagens à Procura de um Autor', na década de 1950

    O Teatro Brasileiro da Comédia realizou algumas montagens marcantes da obra de Pirandello, como "Seis Personagens à Procura de um Autor" (1951), com direção de Adolfo Celi, depois remontada pelo grupo em 1959 com Tônia Carreiro e Paulo Autran no elenco; e "Assim É...(Se Lhe Parece)" (1953).

    TEATRO DOS SETE
    O grupo fundado por Fernando Torres e Fernanda Montenegro fez uma versão de "O Homem, a Besta e a Virtude" em 1962, no teatro Maison de France, no Rio, com direção de Gianni Ratto. No elenco, além de Fernanda, Francisco Cuoco, Ítalo Rossi e Sergio Britto.

    TRILOGIA PIRANDELLO
    O ator Cacá Carvalho realizou em parceria com o diretor italiano Roberto Bacci uma trilogia de monólogos a partir de peças, novelas e um romance de Pirandello: "O Homem com a Flor na Boca" (1994), "A Poltrona Escura" (2003) e "umnenhumcemmil" (2012).

    JAIME COSTA
    Rosto conhecido dos palcos brasileiros nos anos 1920, o ator e diretor foi o primeiro a montar um texto de Pirandello no Brasil, em 1925: "Pois É Isso", versão de "Assim É (Se Lhe Parece)". Costa se dizia o único intérprete do italiano no país, mas nunca pagou um tostão de direitos autorais.

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