• Ilustrada

    Tuesday, 30-Apr-2024 00:06:47 -03

    Mostra de Nam June Paik, no Rio, investiga mundo inebriado pela TV

    SILAS MARTÍ
    ENVIADO ESPECIAL AO RIO

    02/07/2017 02h15

    Nam June Paik sonhava com o dia em que os guias de programação da TV fossem tão grossos quanto a lista telefônica de Manhattan. Décadas depois, com a televisão multiplicada em serviços de streaming e telas de telefone que dispensam a busca por contatos nas páginas amarelas, o artista sul-coreano talvez se sentisse realizado.

    Desde os primórdios do vídeo, Paik, morto aos 73, há 11 anos, tinha uma atração um tanto doentia pelo brilho dos monitores que inundavam salas de estar com imagens de um -admirável e assustador- mundo novo.

    Sua arte, agora alvo de uma retrospectiva no Oi Futuro, no Rio, acabou se firmando como tradução da estética emulsiva de um mundo engolfado por ondas de transmissão, estabelecendo ao mesmo tempo uma crítica e um elogio ao potencial de um planeta hiperconectado, refém do bombardeio sem trégua de fotogramas e sons.

    Divulgação
    Nam June Paik, alvo de uma retrospectiva no Oi Futuro, em performance com Charlotte Moorman
    Nam June Paik, alvo de uma retrospectiva no Oi Futuro, em performance com Charlotte Moorman

    Um dos nomes centrais do grupo Fluxus, que despontou com performances e happenings na Europa e nos Estados Unidos na década de 1960, Paik entrou para a história como um pioneiro da videoarte, um dos primeiros a enxergar na tela de TV, então em ascensão como o mais eficaz meio de comunicação de massa, um lugar para a arte.

    No primeiro dia de 1984, Paik deu uma amostra da elasticidade desse seu pensamento transmitindo ao vivo, para museus em Nova York e Paris, uma colagem de imagens, de bailarinos e músicos de vanguarda como John Cage e Laurie Anderson cantando e dançando a fragmentos das vinhetas futuristas criadas pelo austríaco Hans Donner, seu amigo, para a TV Globo.

    "Good Morning, Mr. Orwell", agora na mostra carioca, ilustrava com doses cavalares de ironia o que seria um mundo televisionado, marcado pela mistura irreversível de alta e baixa cultura.

    "Ele sentia um amor verdadeiro pela cultura pop", diz o italiano Marco Pierini, que organiza a mostra. "O monitor para ele era uma tela e a imagem era a pintura."

    Ou escultura. Nas décadas de 1980 e 1990, passado o fascínio inicial pelo poder do tubo catódico, Paik começou a construir uma série de robôs, figuras montadas com velhos rádios e televisores que ficam ligados o tempo todo para transmitir ao vivo tudo o que sintonizam dentro da galeria.

    Suas criaturas agora no Rio, por exemplo, ostentavam na montagem o rosto do pastor Marco Feliciano ou cenas da animação "Meu Malvado Favorito", que com a idade avançada dos monitores se tornam fantasmas sinistros, de silhuetas instáveis.

    Outra instalação na entrada da mostra é um globo metálico cravejado de televisores que também mostram uma colagem aleatória de passes de dança e chutes no gramado. Sua ideia era ilustrar ali o impacto visual que uma Copa do Mundo, no caso o campeonato disputado na Itália em 1990, exerce sobre espectadores e como pode alterar noções de tempo e espaço.

    Um relógio no meio dos monitores dá a medida desse impacto, seus ponteiros filmados por uma câmera e transmitidos ao vivo para um dos monitores na esfera. Paik criou ali um curto-circuito, invertendo as posições de quem vê e do que é visto.

    Suas performances, em especial com a violoncelista americana Charlotte Moorman, famosa por ações com ele em que usou um sutiã com monitores de TV, também já embaralhavam essas perspectivas, abalando a passividade do espectador, sempre sujeito a se tornar ele mesmo um espetáculo no circo de horrores de um universo de próteses reluzentes.

    O jornalista viajou a convite do Oi Futuro.

    NAM JUNE PAIK
    QUANDO de ter. a dom., das 11h às 20h; até 27/8
    ONDE Oi Futuro, r. Dois de Dezembro, 63, Rio, tel. (21) 3131-3060
    QUANTO grátis

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024