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    CRÍTICA

    Rafael Sica brinca com situações e fachadas em livro de cartuns

    ÉRICO ASSIS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    03/07/2017 02h00

    FACHADAS (muito bom)
    AUTOR Rafael Sica
    EDITORA Lote 42
    QUANTO R$ 39,90 (64 págs.)

    *

    Diz a quarta capa de "Fachadas" que este é "um livro sobre uma cidade que pode ser qualquer uma". Embora as fachadas retratadas no livro de Rafael Sica se encontrem em muitos bairros brasileiros que preservam casas de meados do século passado, há uma referência incontornável: Pelotas, cidade natal do cartunista, coalhada de fachadas estreitas —uma porta, uma janela— em cimento penteado e com platibandas.

    Nessa coleção de cartuns, a técnica de Sica consiste em desenhar fachadas de casas reais e imaginar pequenas cenas ou contextos que, na sua cabeça, combinem com a morada. Algumas combinações são óbvias, algumas são engraçadas. Outras sugerem uma mensagem um pouco fugidia, enquanto outras ainda ficam totalmente abertas à interpretação do que se passaria na cabeça do autor.

    Uma fachada dilapidada, com venezianas detonadas e um toldo fora de sincronia com o entorno lembra a Sica os Ramones —o que leva a banda a aparecer ali.

    Outra fachada, datada de 1930, inspira o autor a pensar a tradicional família brasileira, com patriarca e matriarca à porta e os 13 filhos (mais avó) posando logo à frente.

    Divulgação
    Desenho de Rafael Sica no livro "Fachadas", da Lote 42
    Desenho de Rafael Sica no livro "Fachadas", da Lote 42

    Há fachadas surreais, como a que traz um dragão ou dinossauro saindo de um portão sobre o qual se lê "almoxarifado municipal". Uma foca equilibrando uma bola que, pela expressão do senhor sentado e lendo o jornal na frente de casa, apareceu ali de forma repentina. Um alienígena em um ponto de abduções, indicado tal como placa de ponto de ônibus. Gatos são presença recorrente.

    Sica sempre joga com as interpretações de suas tiras ou cartuns. "Ordinário", sua primeira coleção, também tinha histórias que provocavam algumas nesgas de entendimento na cabeça do leitor, mas sem deixar claro o quê. A dúvida do que se queria transmitir podia vir do próprio autor.

    Na época em que publicava suas tiras na internet, Sica chegou a brincar com a inescrutabilidade das tiras: selecionou os comentários mais absurdos que recebia no seu blog e imaginou, em desenho, como seriam as caras dos comentaristas.

    "Fachadas" tem formato especial. É um livro-sanfona: uma longa tira de papel, dobrada em segmentos, cujas pontas ficam coladas nas capas. Não há encadernação nem grampos, formando uma quadra com 30 fachadas.

    Devido ao formato, o livro também ganha o que dá para se chamar de "lado B". Se aberto pelo outro lado, vê-se uma sequência de pequenos desenhos de Sica: um chapéu, um guarda-chuva, uma garrafa de aguardente. Cabe ao leitor captar se os desenhos têm alguma relação ou são apenas um bônus.

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