• Ilustrada

    Sunday, 28-Apr-2024 09:46:12 -03

    CRÍTICA

    Em livro, Antonio Cicero resgata debate sobre a relevância da poesia

    RODRIGO GARCIA LOPES
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    08/07/2017 02h08

    Zo Guimaraes/Folhapress
    Retrato do poeta e escritor Antonio Cicero em sua casa, no Humaita, Rio de Janeiro
    Retrato do poeta e escritor Antonio Cicero em sua casa, no Humaita, Rio de Janeiro

    A POESIA E A CRÍTICA (bom)
    QUANTO: R$ 44,90 (236 págs.)
    AUTOR: Antonio Cicero
    EDITORA: Companhia Das Letras

    *

    "A Poesia e a Crítica" reúne 13 ensaios do poeta, letrista e filósofo Antonio Cicero. O primeiro aborda, em tom de testemunho, sua relação problemática com a contracultura e a importância de suas conversas com Caetano Veloso para sua formação intelectual.

    Sete são dedicados à análise da obra de autores como Hölderlin, Thomas Mann, Fernando Pessoa e os brasileiros Ferreira Gullar (2), Armando Freitas Filho e Drummond. Os ensaios mais interessantes são aqueles que discutem a poesia em nossos dias, o caso da letra de música e a relação da poesia com a filosofia. Há espaço para a complexa questão do cânone poético, espécie de ranking dos melhores poetas de todos os tempos.

    Em "Poesia e Preguiça", texto que parece dialogar com a teoria do inutensílio, de Paulo Leminski, Cicero situa a poesia em nosso mundo saturado de informações e distrações, onde "tempo livre" virou artigo de luxo. O poeta resgata o sentido positivo e libertário que a palavra "ócio" tinha para os antigos (negócio vem de "nec otium", ou seja, não ócio).

    A poesia nos abre a possibilidade de experimentar um tempo não utilitário, de ir além do uso pragmático da linguagem –o que domina nossas vidas. Paradoxalmente, a mesma "preguiça receptiva" fundamental para a gestação e produção de um poema é fatal para o leitor hiperpassivo.

    Para Cicero o verdadeiro poema, onde forma e conteúdo estão em perfeita simbiose, mobiliza leitor e autor por inteiro: inteligência, emoção, sensibilidade, memória, cultura, intuição etc. Como argumenta no ensaio seguinte:

    "Para fruir um poema é preciso nele imergir. E como a imersão não combina com a temporalidade acelerada do presente, muitos afirmam que a poesia simplesmente não tem mais lugar neste mundo. Pois bem, é exatamente por não se ajustar à temporalidade acelerada do presente que a poesia é necessária hoje".

    "Sobre as letras de canções" revisita a velha polêmica sobre se letra de música é poesia, questão aparentemente resolvida com a canonização de Bob Dylan, Prêmio Nobel de Literatura. Sem deixar de explicar que o poema é uma estrutura autônoma, enquanto a letra é sempre parte de um conjunto maior, Cicero afirma ser mais pertinente perguntar se "a letra de música pode ser um bom poema".

    A Poesia e a Crítica - Ensaios
    Antonio Cicero
    l
    Comprar

    Ele relembra que os poemas líricos da Grécia antiga e dos trovadores provençais, hoje exemplos canonizados de poesia, eram letras de música. Atualizando e aproximando a discussão para nós, menciona "Letra Só", que reúne as letras de Caetano, como exemplo de "um grande livro de poemas".

    O importante é que, com este livro, Antonio Cicero segue uma tradição de poetas-críticos que refletem sobre seu ofício e a relevância da poesia (seu caráter de arte, não de passatempo e entretenimento). Coisa rara hoje em dia, quando o poema costuma aparecer "disfarçado" na forma de prosa empilhada em linhas, numa cena literária onde sobra pose e falta, muitas vezes, poesia.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024