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    Mostra revê as cidades geometrizadas nas pinturas da artista Maria Leontina

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    10/07/2017 02h25

    Lembram máquinas ou estranhos quebra-cabeças as cidades e construções nas pinturas de Maria Leontina. Suas abstrações geométricas reduzem favelas, casarios e skylines a tramas delicadas de quadrados, círculos e triângulos às vezes suspensos num espaço etéreo ou alvo de linhas e figuras fantasmagóricas que atravessam a composição.

    Mas não foi sempre dessa forma. Morta aos 66, em 1984, a artista despontou na cena paulistana na década de 1940 sob influência dos traços expressionistas de Flávio de Carvalho, mas depois de uma passagem pela Europa e já no auge do movimento concretista em São Paulo, suas naturezas-mortas marcadas pelo uso preciso da cor deram lugar a essas representações diáfanas de espaços urbanos.

    Divulgação
    Pintura de Maria Leontina, agora em mostra na galeria Bergamin & Gomide
    Pintura de Maria Leontina, agora em mostra na galeria Bergamin & Gomide

    Uma retrospectiva agora na galeria Bergamin & Gomide mostra bem esse momento de virada em sua obra, com ênfase em pinturas dos anos 1950, quando ela parece ter chegado ao auge das representações de cidades, e da década seguinte, quando o rigor geométrico se esvai em formas orgânicas de cores como rosa e vermelho, mais quentes e vibrantes do que os ocres e azuis esmaecidos de sua fase mais celebrada.

    Interessa, no caso, a destreza com que Leontina primeiro domina a representação dos volumes, que ganham corpo a partir da cor, a exemplo de mestres como Cézanne e Morandi, para depois arquitetar suas alegorias metropolitanas marcadas pela sutileza, diluindo o movimento das ruas a engrenagens ultraprecisas.

    Divulgação
    Pintura de Maria Leontina, agora em mostra na galeria Bergamin & Gomide
    Pintura de Maria Leontina, agora em mostra na galeria Bergamin & Gomide

    Uma paz estranha domina essas composições de ritmo uniforme, como um rio que corre desimpedido ou uma linha de montagem bem azeitada. Não há sobressaltos ali, um efeito plástico que ela atinge eliminando traços fortes e delimitando suas figuras só pelo contraste entre os tons.

    Outra estratégia foi reduzir o ponto fulcral de suas telas a um espaço isolado, como se suas cidades ou conjuntos de casas despontassem espontâneas num descampado, torres numa espécie de vácuo.

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    Pintura de Maria Leontina, agora em mostra na galeria Bergamin & Gomide
    Pintura de Maria Leontina, agora em mostra na galeria Bergamin & Gomide

    Em "Episódios", tela de 1958 que abre a exposição, duas tarjas escuras nas laterais direcionam o olhar para o centro da composição, onde formas geométricas lembram casas suspensas como os elementos de um móbile. São planos chapados de cor que desafiam a própria solidez, sugerindo a sensação de movimento, como se tudo pudesse chacoalhar no vento.

    "Os Jogos e os Enigmas", de 1954, levam essa instabilidade ao nível mais radical, como se uma roda e uma figura transparentes adentrassem uma arquitetura mais rígida, de elementos estáticos.

    Divulgação
    Pintura de Maria Leontina, agora em mostra na galeria Bergamin & Gomide
    Pintura de Maria Leontina, agora em mostra na galeria Bergamin & Gomide

    No fundo, Leontina reflete sobre as cidades e seus habitantes como elementos esculpidos pelo tempo.

    MARIA LEONTINA
    QUANDO de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 15h; até 15/7
    ONDE galeria Bergamin & Gomide, r. Oscar Freire, 379, lj. 1, tel. (11) 3853-5800
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