• Ilustrada

    Monday, 06-May-2024 01:58:38 -03

    Flip

    Convidado da Flip, William Finnegan ganhou Pulitzer com livro sobre surfe

    SYLVIA COLOMBO
    DE BUENOS AIRES

    11/07/2017 02h00

    Divulgação
    O escritor William Finnegan surfa em Fiji, Oceania, em 2005
    O escritor William Finnegan surfa em Fiji, Oceania, em 2005

    O Havaí que William Finnegan, 65, conheceu, em 1965, quando tinha apenas 13 anos, era um ambiente tenso para um garoto branco que havia crescido em Los Angeles.

    "Na minha escola de infância, havia no máximo um garoto negro e uns dois mexicanos. Quando cheguei a Honolulu e entrei naquele colégio em que eu era parte de uma minoria, e em que gangues de garotos se enfrentavam por causa de etnias, linguagens, cor de pele, me dei conta do tamanho e da complexidade do mundo", conta Finnegan à Folha, em entrevista por telefone.

    Um dos convidados da próxima Flip (Festa Literária Internacional de Paraty, de 26 a 30 de julho), Finnegan disse que já naquela época gostava de surfar, mas estava longe de ser bom no esporte.

    "Quando meu pai me disse que nós nos mudaríamos para o Havaí, pensei que seria a melhor escola de surfe possível para mim. Mas foi muito mais do que isso. O surfe me ensinou a conviver e a lidar com as diferenças."

    Isso porque, todos os dias, ao terminar de estudar, Finnegan pegava sua prancha e ia para a praia. "Passou a ser uma válvula de escape para a tensão que eu vivia na escola, e que descrevo no livro. Logo, virou mais do que isso. Meus melhores amigos de então e muitos dos melhores dos dias de hoje foram feitos dentro da água, e não no chamado mundo real", diz, com ironia.

    De fato, a camaradagem e os laços humanos que se dão pela identificação com a água, assim como as mudanças que esse vínculo causa nos estados de espírito de quem surfa, percorrem todo o livro.

    Já ao tal "mundo real" ele recorreria por meio de suas reportagens para a revista "The New Yorker", para a qual trabalha, e em livros-reportagem. Finnegan se especializou em viajar para lugares conflagrados, da América Central dos anos 1980 à África da década seguinte e, nos últimos tempos, aos territórios dominados por cartéis no México. Mais recentemente, esteve na Venezuela.

    E surfar tem algo a ver com fazer uma reportagem? "A pergunta pode parecer destrambelhada, mas faz todo o sentido. Meus editores na 'New Yorker' me diziam isso e eu custei para absorver, mas é verdade. Creio que minha habilidade para entender um novo lugar, de ser capaz de atuar nele ainda que pareça hostil à primeira vista e de sair dele com a resposta desejada já eram coisas que eu vinha fazendo antes, porque as trouxe do surfe. Recursos como a obsessão, o sentido de observação e a paciência, usados para encontrar as grandes ondas, também são necessários para realizar uma boa reportagem."

    PULITZER

    Mas, apesar da larga experiência na cobertura de conflitos internacionais, foi justamente um livro sobre o surfe, "Dias Bárbaros", que daria a Finnegan o Pulitzer de 2016, na categoria autobiografia.

    "Não sei explicar por que me deram o prêmio, mas creio que meu livro aporta uma observação de distintos lugares do mundo e da natureza por meio do surfe. Pode parecer algo trivial e até fútil, mas se você atravessar meu livro vai entender porque penso que não é", diz.

    Entre as aventuras relatadas, está a busca por ondas míticas, outras muito raras, e a relação com as comunidades do surfe que Finnegan foi conhecendo no caminho.

    O modo como o livro foi idealizado, porém, dependeu de uma coincidência. "Eu pensava em escrever um livro de memórias, que é um gênero difícil para um jornalista, porque significa investigar a si mesmo."

    Enquanto refletia sobre por onde começar e que voz adotaria, recebeu da mãe de um amigo, que realizava uma limpeza em sua garagem, uma velha caixa de papelão cheia de cartas.

    "Era a correspondência minha com meu melhor amigo de infância. Quando me mudei para o Havaí, eu escrevia para ele quase que diariamente. Contava as dificuldades na escola, do que tinha aprendido sobre o surfe, das garotas que conhecia, absolutamente tudo. Quando senti aquele fluxo de recordações voltando à minha memória, achei que esse teria de ser o fio condutor."

    Entre as histórias que publica na "New Yorker", as que prefere são aquelas em que pôde diagnosticar a ausência do Estado e como os indivíduos se organizam quando isso acontece.

    Martin Bureau/AFP
    O escritor William Finnegan em sessão de fotos em Paris, em junho
    O escritor William Finnegan em sessão de fotos em Paris, em junho

    "Observei isso no México, onde em várias regiões são os cartéis ou as milícias que ocupam o lugar do Estado, ou em áreas muito afastadas do Peru, onde mineiros vivem em condições muito ruins e sem assistência. É muito dilacerante por um lado. Por outro, você sempre se depara com um modo que as pessoas encontram de se organizar localmente, de fazer a vida possível. Então, é também esperançoso."

    PARATY

    Dias Bárbaros
    William Finnegan
    l
    Comprar

    Finnegan diz ter lido sobre Paraty e que, sempre que viaja a trabalho para locais litorâneos, leva uma prancha, ou aluga uma se acha que há condições para o surfe.

    "Preciso checar a situação das ondas na data, e dar uma pesquisada nas praias da região. Se houver condições, quero cair na água e surfar um pouco, sim. Não é incomum eu esticar minhas viagens por causa de uma onda, como você a essa altura já deve achar fácil de entender [risos]. Afinal, sempre foi meu modo de conhecer o mundo."

    *

    DIAS BÁRBAROS - UMA VIDA NO SURFE
    AUTOR William Finnegan
    TRADUÇÃO Edmundo Barreiros
    EDITORA Intrínseca
    QUANTO R$ 59,90 (432 págs.)

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024