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    Bolshoi nega adiamento de balé sobre a vida de Nureyev por temática gay

    NEIL MCFARQUHAR
    DO "NEW YORK TIMES", EM MOSCOU

    13/07/2017 02h04

    PHILIPPE BATAILLON/INA/AFP
    O bailarino Rudolf Noureev
    O bailarino Rudolf Noureev

    O diretor-geral do balé Bolshoi confirmou na segunda (10) que a organização adiará um aguardado balé sobre a vida de Rudolf Nureyev, mas rejeitou acusações de que cedeu à censura do Estado, pelo diretor controverso e pelos temas gays do espetáculo.

    O Bolshoi havia feito um curto anúncio no sábado (8), três dias antes da data de estreia prevista para "Nureyev", e a decisão causou choque na elite cultural russa.

    Vladimir Urin, diretor-geral do Bolshoi, disse em entrevista coletiva que a administração do balé, depois de ver o ensaio final do espetáculo na semana passada, sentiu que a coreografia de Yuri Possokhov ainda precisava de trabalho.

    Com um elenco de mais de cem pessoas, incluindo cantores, atores e músicos, o balé requer um nível enorme de coordenação, segundo Urin. "O cancelamento prejudicará nossa reputação, mas para nós a qualidade está acima."

    O contraste entre o tema do espetáculo e a ênfase do atual governo nos "valores de família" resultou em acusações imediatas de que Urin havia cedido a pressões do Kremlin.

    Entre outros temas, o balé trata da influência da homossexualidade de Nureyev sobre sua arte e de sua luta contra a Aids, que causou sua morte em 1993. Em 2013, a Rússia aprovou uma lei que proíbe qualquer coisa que possa ser vista como "propaganda gay".

    A suspeita, nos círculos culturais e na mídia, era de que um balé celebrando um homem gay que fugiu da União Soviética (o espetáculo fala sobre a Rússia expulsar seus talentos), e encenado no mais prestigioso teatro do país, seria demais para o governo.

    Além disso, o diretor é Kirill Serebrennikov, considerado o mais inovador dos encenadores teatrais russos, mas também renomado por zombar das convenções sociais.

    Serebrennikov foi detido para interrogatório em maio, acusado de desfalcar fundos estatais. Seu apartamento e o Teatro Gógol, do qual é diretor artístico, foram alvos de buscas. Mas muitos veem o caso como perseguição política.

    Serebrennikov não comentou o adiamento do balé, mas disse a amigos que em sua opinião a peça estava pronta.

    "Nureyev" foi a segunda colaboração entre Serebrennikov, Possokhov e o compositor Iya Demutsky. A primeira, "Um Herói de Nossa Era" (2015), foi elogiado pela crítica como um grande avanço na rigidez classicista do Bolshoi.

    A expectativa era de que "Nureyev" fosse mais inovador, com potencial de atingir um público mundial devido à fama do bailarino. Mas o balé causou controvérsia muito antes de chegar ao palco.

    Um vídeo de ensaio que mostrava bailarinos dançando de saltos altos vazou e provocou alguma indignação. Um site nacionalista apelou ao ministro do Interior, o conservador Vladimir Medinsky, pela proibição do espetáculo.

    "O vídeo do ensaio é prova clara de que essa 'criação' é uma propaganda de sodomia, o que contraria as leis russas", dizia o site.

    Na segunda-feira, a mídia russa sugeria que esse havia sido o motivo do cancelamento, ainda que tenham surgido especulações de que a produção precisaria de mais tempo para diluir as referências gays.

    Tanto Urin quanto Medinsky negam que tenham se consultado antes do cancelamento. "Não quero fazer disso uma discussão política", disse Urin. Segundo ele, com o calendário lotado da próxima temporada, a estreia só poderia ser remarcada para maio.

    Simon Morrison, professor de música da Universidade de Princeton e autor de um livro sobre o Teatro Bolshoi, estava em Moscou e viu fragmentos de um vídeo de um dos ensaios finais do balé.

    "A dança parecia hesitante, descoordenada, faltava alguma coisa", disse, embora ressaltasse a incerteza do adiamento, uma decisão rara para qualquer companhia. "Se você está fazendo algo controverso e a coisa não funciona, o espetáculo se torna uma paródia de si mesmo."

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