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    CRÍTICA

    Trechos ficcionais afetam obra sobre Buscetta, delator da máfia

    ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    18/07/2017 02h10

    AP
    O ex-chefe da máfia siciliana foi o primeiro a colaborar com a Justiça italiana contra a Cosa Nostra
    O ex-chefe da máfia siciliana foi o primeiro a colaborar com a Justiça italiana contra a Cosa Nostra

    O certo seria falar "Buchêta", ou "Buchéta", mas por razões óbvias rádios e TVs brasileiras optaram por chamar o homem de "Busquêta".

    É o mafioso siciliano Tommaso Buscetta (1928-2000), preso com fanfarra no Brasil, em 1983, e despachado no ano seguinte para a Itália. Ele se transformaria no maior delator da máfia, ajudando as Justiças italiana e dos EUA a botar na cadeia dezenas de dirigentes da organização.

    A vida louca de Buscetta, mafioso "globetrotter", é o tema de "Cosa Nostra no Brasil - A História do Mafioso que Derrubou um Império", livro-reportagem do catarinense Leandro Demori.

    A obra conta em detalhes fatos muito pouco conhecidos da trajetória de Buscetta, como uma prisão anterior no Brasil, em 1972, por ninguém menos que Sergio Paranhos Fleury, delegado do Dops.

    É a primeira cena. Transportando Buscetta num avião militar, de SC (onde tinha sido capturado) para SP, Fleury e sua gangue usam um método pouco ortodoxo para convencê-lo a falar: abrem a porta e penduram no ar a mulher do mafioso, a brasileira Maria Cristina, grávida de quatro meses, ameaçando atirá-la no vazio.

    Apesar do estilo um tanto floreado, é um começo eletrizante, que promete mais do que o livro entrega. O ritmo de "thriller" só será retomado na parte final, quando Buscetta volta clandestino ao Brasil, após temporada de cadeia na Itália, e tenta todo tipo de loucura para escapar da polícia.

    A maior parte do livro não tem tanta ação. Fazendo um paralelo com a atividade científica, "Cosa Nostra no Brasil" passa mais a impressão de ser uma meta-análise do que um trabalho original. Na meta-análise, os autores não são eles próprios que vão a campo. O que fazem é se debruçar sobre tudo o que foi publicado a respeito de um tema e então extrair uma narrativa.

    Do mesmo modo, "Cosa Nostra no Brasil" transmite mais a sensação de um extenso apanhado sobre a Máfia –e menos de trazer informações próprias. Exceto pelo trecho final, que relata de modo empolgante investigações da polícia brasileira e artifícios de Buscetta para não ser pego.

    1984/Reuters
    O ex-chefe da máfia siciliana Tommaso Buscetta que foi o primeiro mafioso a colaborar com a Justiça italiana em ações contra a Cosa Nostra. Nessa foto de 1984, ele aparece saindo escoltado de um avião no aeroporto Fiumicino, em Roma (Itália). ROM01:CRIME-ITALY-MAFIA:ROME,5APR00 - FILE PHOTO 16JUL84 - Italian top Mafia turncoat Tommaso Buscetta, 71, is escorted at Rome's Fiumicino airport in this July 16, 1984 file photo. Buscetta, the first Mafia boss to turn his back on Sicily's notorious Cosa Nostra and tell its secrets to investigators, has died in the United States after a fight against cancer, his lawyer said on Tuesday. Buscetta died on Sunday morning after a two-year illness. He had lived the last 14 years of his life in the United States under a witness protection deal. (NO ARK) pc/Photo by ANSA REUTERS
    O italiano Tommaso Buscetta aparece saindo escoltado de um avião no aeroporto Fiumicino, em Roma

    Um outro fator diminui a vibração: o excesso de descrições fictícias. Um capítulo sobre as origens da máfia começa assim: "Um rumor de vozes rompe o silêncio da noite e um repentino agrupamento de tochas ilumina a plebe congelada diante da forca".

    Pode até funcionar como descrição, mas o problema é que essa cena aconteceu no século 12. O repórter não estava lá. O relato é ficcional.

    Isso acontece em diversos trechos: cenas superesmiuçadas, mas às quais seria impossível o autor estar presente. Assim, são prejudicados outros momentos com informações de fato registradas in loco. Fica difícil distinguir observação de imaginação.

    Cosa Nostra No Brasil
    Leandro Demori
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    Tropeços de estilo e de estrutura à parte, o livro de Leandro Demori tem o mérito inegável de trazer informações antes não disponíveis em português sobre um personagem simbólico do Brasil como terra sem lei, onde até hoje vigaristas se abrigam em busca de impunidade.

    COSA NOSTRA NO BRASIL (bom)
    QUANTO R$ 49,90 (288 págs.)
    AUTOR Leandro Demori
    EDITORA Companhia Das Letras

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