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    'A arte está parada', diz crítica Aracy Amaral, agora alvo de mostra em SP

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    25/07/2017 02h20

    Aracy Amaral não queria aparecer. Quando soube que montariam uma mostra em sua homenagem, pediu que adiassem a ideia até depois que ela morresse. Acabou cedendo, mas tentou fugir de entrevistas e retratos, dificultando a vida dos organizadores que tiveram de fazer o máximo com material mínimo.

    Mas mesmo o mínimo, no caso livros e pesquisas realizados ao longo das últimas seis décadas por essa que se firmou como uma das críticas e curadoras mais relevantes nas artes visuais do país, já se revela monumental na exposição agora no Itaú Cultural.

    Uma das raras mulheres ativas num meio então dominado pelos homens, Amaral, 87, esteve à frente da Pinacoteca nos anos 1970 e do Museu de Arte Contemporânea da USP na década seguinte.

    Reprodução
    A crítica e historiadora Aracy Amaral diante da tela 'Operários', de Tarsila do Amaral
    A crítica e historiadora Aracy Amaral diante da tela 'Operários', de Tarsila do Amaral

    Biografou Tarsila do Amaral ainda viva e fez estudos de fôlego sobre assuntos tão díspares quanto a influência da poesia modernista francesa nas vanguardas nacionais e o impacto da matriz arquitetônica hispânica no casario colonial do interior paulista.

    Também documentou momentos de efervescência na arte do país, como o auge do construtivismo e o surgimento dos primeiros experimentos com a videoarte, em mostras que se tornaram clássicas.

    Fora dos holofotes desde que organizou, há dois anos, uma radical edição do Panorama da Arte Brasileira, mostra do Museu de Arte Moderna paulistano em que contrastou artefatos indígenas com peças de artistas contemporâneos, Amaral diz estar perdendo o interesse nas obras realizadas agora e que pretende voltar seu olhar a manifestações de arte popular, longe do circuito, na visão dela, cada vez mais vápido dos museus e galerias do establishment.

    Na entrevista a seguir, Amaral detalha sua desilusão com a arte da atualidade e comenta a onda de mostras em torno de críticos e curadores.

    *

    Folha - Você já havia criticado artistas contemporâneos do país por certa alienação em relação à política. Sua opinião mudou? Ou o que pensa do estado da arte brasileira agora?
    Aracy Amaral - Temos artistas interessantes, mas você não vê nenhuma manifestação vibrante. Sinto uma fadiga no ar, seja nas obras dos artistas, seja nas manifestações dos intelectuais. A arte está muito parada. É mais vivo o que acontece no noticiário do que aquilo que os artistas podem fazer. O grito é abafado pelas redes sociais.

    Há uma descrença, um descaso. Não sinto nenhuma combatividade apesar do momento violento que estamos vivendo, de princípios que estão caindo por terra. Há um sentimento de perplexidade diante desse turbilhão, uma perplexidade que paralisa, e ninguém sabe o que fazer.

    Uma exceção a essa paralisia não seria a exposição agora no Instituto Tomie Ohtake, que convocou artistas a defender um rapaz que acreditam ter sido preso nas manifestações de junho só por ser negro?
    Os artistas estão ali dizendo que são solidários, mas é como um abaixo-assinado. Ninguém sai na rua para gritar pelo menino. É uma representatividade fria, então é muito mais um abaixo-assinado, não é um grito junto.

    Meses atrás, o museu Reina Sofía, em Madri, abriu uma mostra dedicada ao crítico Mário Pedrosa. O que acha desse movimento do circuito em reconhecer também o papel do crítico e do curador?
    Esse termo "curador" surge com essa aura toda na década de 1980. Fiz uma palestra no MoMA, em 1988, que falava da ideia do curador como estrela, dessa alteração da persona do curador. Mas eu me vejo mais como uma pesquisadora. Adoro descobrir coisas, ir atrás de uma pessoa, que depois me leva a outra, que me leva a descobrir o que eu estava querendo. Isso é do meu temperamento.

    Mário Pedrosa foi um modelo?
    Ele foi o maior crítico de arte brasileira de todos os tempos. Foi excepcional porque nunca abriu mão de uma preocupação com a realidade, oscilando entre a política e a arte. Não era um crítico do Terceiro Mundo, ele dialogava com os críticos da Alemanha, da França, dos Estados Unidos. Tinha um domínio da realidade desses países.

    O que você acredita ter mudado na atividade da curadoria e da crítica de lá para cá?
    Na minha geração, a gente ia mais para a rua, frequentava os ateliês e as casas dos artistas. A gente ouvia mais o artista e expunha mais o artista sem essa intromissão, sem instrumentalizar o artista a serviço do discurso do curador. Você como crítico explicita seu pensamento por meio do texto, não da exposição.

    Hoje tudo está mais circunscrito. Quem é da imprensa fica como imprensa, quem está na universidade fica na academia, fica circunscrito às fontes bibliográficas, não vai nunca à fonte primária.

    Sua pesquisa sobre Tarsila do Amaral, aliás, sem dúvida teve outro impacto pelo acesso que você teve a ela ainda viva.
    Digo sempre que penso o contrário de Ruy Castro, que diz que se recusa a fazer biografia de gente viva. Foi muito bom fazer uma biografia com a Tarsila ainda viva. Ia à casa dela uma vez por semana e depois ia conversar com todo mundo que tinha pertencido àquele seu círculo. Morria de medo que essas pessoas morressem antes que pudesse falar com elas.

    Você chegou a sentir dificuldades por ser uma mulher circulando entre tantos homens que dominavam a crítica?
    Sempre houve mais homens do que mulheres. É um problema geracional. Já me fizeram muito essa pergunta, talvez por causa dessa onda de feminismo nas novas gerações, mas nunca senti nenhum preconceito. Havia uma certa surpresa, mas eu sempre fui acolhida.

    O fato de a gente ser mulher também ajuda a conseguir confidências e depoimentos com mais facilidade.

    Você esteve à frente da Pinacoteca no auge da ditadura. O regime dificultou seu trabalho?
    Nunca tive ressalvas à minha gestão. Todos entenderam que trazia público à Pinacoteca, que estava abrindo um espaço que estava parado.

    Que previsão você faz em relação ao futuro da arte do país?
    Primeiro precisamos perguntar para onde vai o Brasil. O pior pode acontecer, mas vamos pensar que o melhor pode acontecer. É um enigma.

    ARACY AMARAL
    QUANDO de ter. a sex., das 9h às 20h; sáb. e dom., das 11h às 20h; até 27/8
    ONDE Itaú Cultural, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1776
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