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    Escritora Noemi Jaffe faz espécie de 'Guia dos Curiosos' das palavras

    LUCAS NEVES
    EDITOR-ADJUNTO DA "ILUSTRÍSSIMA"

    27/07/2017 02h15

    Felipe Gabriel/Projetor/Folhapress
    SÃO PAULO, SP, BRASIL, 29-02-2016, Noemi Jaffe no apartamento de Ivana em Pinheiros. Foto: Felipe Gabriel/Projetor/FolhaPress
    A escritora Noemi Jaffe, autora de "Não Está Mais Aqui Quem Falou"

    O novo livro da escritora paulistana Noemi Jaffe, 55, combina microcontos, crônicas breves, glossários líricos, digressões filosóficas e etimológicas, além de releituras de mitos e histórias bíblicas, para citar só alguns dos gêneros contemplados.

    Ela prefere falar dos fragmentos como "entes", "tarecos", "buracos", já que são "textos que provêm de faltas", constituem tentativas mais ou menos recentes de responder à "sensação de que algo não está lá, aqui, de que há algo a ser encontrado".

    Dessa matriz lacunar vem o título do florilégio, "Não Está Mais Aqui Quem Falou".

    O vazio e o silêncio legados pela máquina de guerra do século 20, mas também o poder da literatura de se contrapor a essa terra arrasada e ao esquecimento, estão na mesa da Flip que Jaffe divide nesta quinta (27) com a ruandesa Scholastique Mukasonga.

    A brasileira é filha de uma sobrevivente de Auschwitz –genealogia esquadrinhada em "O Que os Cegos Estão Sonhando?" (2012), escrito com a mãe e a filha. A africana escapou do genocídio tútsi em seu país, mas viu sua família ser dizimada (27 parentes, incluindo sua mãe, pereceram pelas mãos do governo hutu).

    À época do lançamento de "Cegos", Jaffe disse ter encontrado na literatura o canal para lidar com a sensação de estar "fora de lugar" –seus pais, sérvios judeus emigrados, não falavam português.

    ÂNCORA

    Mas não é que busque nas letras uma âncora ou porto seguro qualquer. "Pelo contrário. Quando pesquiso a origem das palavras, quero me deslocar ainda mais", afirma.

    "Elas não têm raízes fixas, pois essas que conhecemos ainda têm outras, mais antigas e que vão mudando de lugar para lugar e de época para época. Quero continuar me sentindo fora de lugar."

    Para aguçar essa percepção de deslocamento, as palavras são essenciais: suas sonoridades extravagantes, radicais ocultos, significados inesperados –e mesmo os já gastos pelo uso corriqueiro.

    "Elas não cessam de me espantar. Cada vez mais, descubro o quanto têm origem nas áreas mais objetivas do conhecimento. Isso descola a linguagem literária de conceitos abstrato", diz ela, antes de enumerar: "'Considerar' vem de observar as estrelas; 'prestígio' significa 'cheio de truques' [...] Não é maravilhoso?"

    Tal assombro faz dos textos de "Não Está Mais Aqui" que se dedicam à "escavação" etimológica uma espécie de "Guia dos Curiosos" da língua, com a diferença de que, no lugar de pílulas factuais estéreis, entram conjecturas, suposições, desvarios.

    A verdade, Jaffe deixa escapar a certa altura, é a crença nela. Dizer é mentir.

    "Há apego excessivo àquilo que se chama de 'fatos', não só na literatura", avalia. "Gosto de pensar que o que imaginamos e sonhamos, as coisas que poderiam ter acontecido e as que podem vir a acontecer, também são um fato."

    Não Está Mais Aqui Quem Falou
    Noemi Jaffe
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    Mas não há mesmo distinção possível entre fato e versão, dimensões objetiva e subjetiva? "Pense nos tantos 'fatos' depois desvendados como simulações, encobrimentos. É preciso sempre considerar as camadas subentendidas e sombrias por entre os assim chamados 'fatos'." Não está mais aqui quem falou.

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    NÃO ESTÁ MAIS AQUI QUEM FALOU
    AUTORA Noemi Jaffe
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 39,90 (144 págs.)

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    MESA 6 - EM NOME DA MÃE
    ESCRITORAS Scholastique Mukasonga e Noemi Jaffe
    QUANDO qui. (27), às 21h30, no Auditório da Matriz; transmissão no site flip.org.br

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