• Ilustrada

    Wednesday, 01-May-2024 16:35:59 -03

    Flip

    Escritora luso-angolana tece do seu cabelo um ensaio sobre a identidade

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    27/07/2017 02h10

    Bruno Santos/Folhapress
    A escritora luso-angolana Djaimilia Pereira de Almeida em Paraty
    A escritora luso-angolana Djaimilia Pereira de Almeida em Paraty, onde ela lança o livro "Esse Cabelo"

    Após anos tentando se reconciliar com seu cabelo crespo, a escritora luso-angolana Djaimilia Pereira de Almeida achou na internet grupos em que mulheres compartilhavam as experiências de rejeitar alisamentos e assumir suas melenas naturais.

    Apesar de ter acompanhado atentamente os tutoriais em vídeo para arrumar os cabelos, ela não teve a redenção capilar esperada. Continua "um pouco despenteada". Mas foi nesses grupos que Djaimilia encontrou a inspiração para seu aclamado "Esse Cabelo", que a editora Leya lança na Flip –na festa literária, a autora ainda integra uma mesa nesta quinta (27).

    A estreia literária de Djaimilia foi estrondoso sucesso de crítica em Portugal, onde foi lançado em 2015. Mescla de ensaio, autoficção e memórias, "Esse Cabelo" conta a história de Mila, alter ego de Djaimilia, por meio das desventuras de seu cabelo.

    Tal como a autora, Mila nasceu em Luanda e desembarcou em Portugal aos três anos, "particularmente despenteada" e agarrada a um pacote de bolacha Maria. Cresceu no subúrbio de Lisboa, uma "angolana mais que falsa". Seu cabelo é uma congregação étnica-geopolítica, resultado dos encontros entre um pescador albino de Angola, um comerciante português no Congo, católicas anciãs de Seia e cristãos-novos maçons de Castelo Branco, seus ancestrais.

    No início, os cabelos eram constante fonte de sofrimento, que a levavam a "sessões de tortura" em cabeleireiras sádicas, penteados fugazes, tentativas frustradas de alisamento. Foram anos de luta contra a própria identidade.

    É por meio do cabelo que a autora, filha de mãe angolana e pai português, aborda racismo, feminismo e herança colonial, sem ser panfletária. Ela transforma a biografia capilar num ensaio sobre identidade repleto de reflexões filosóficas, fugindo da "futilidade intolerável", como diz.

    LIBERDADE

    Djaimilia, 35, passou quase 13 anos na academia, até completar o doutorado em teoria da literatura na Universidade de Lisboa. Não sente falta das amarras do texto acadêmico.

    "Quando passei a escrever de forma criativa, o meu problema foi não saber o que fazer com tanta liberdade. Fiquei apavorada com a possibilidade de as coisas acontecerem na página exatamente como eu quisesse, sem a preocupação do rigor ou da verdade", diz Djaimilia à Folha.

    "Com tanta liberdade, eu poderia entrar em pânico, assustar-me com as direções que a imaginação toma. Mas uma pessoa que aguenta essa liberdade encontra uma alegria que eu nunca senti ao escrever academicamente."

    Suas influências vão de Rousseau a Flaubert, Lévi-Strauss, os portugueses Raul Brandão e Fernando Pessoa e Machado de Assis.

    "Quando dou referências europeias como esses homens barbudos que leio, há uma justiça poética na posteridade; acho graça, pois os negros são muito maltratados nesses livros, os autores nunca imaginariam que uma moça qualquer negra, passados séculos, estaria a lê-los e a se divertir com o que escreveram."

    Já para "Esse Cabelo", a inspiração foi um misto de alta e baixa cultura. A autora estava a ler as memórias de Walter Benjamin em Berlim e tinha como trilha sonora Kanye West e Beyoncé.

    Esse Cabelo
    Djaimilia Pereira de Almeida
    l
    Comprar

    "A possibilidade de assistir a uma mulher jovem negra com tanto poder me inspirou para escrever o livro", afirma. "Grandes capítulos do livro, inclusive passagens meditativas e introspectivas, foram escritos enquanto eu ouvia Beyoncé nos fones de ouvido. Tentava escrever como Walter Benjamin, enquanto ouvia Beyoncé a falar sobre sexo."

    Agora, Djaimilia está escrevendo seu segundo livro, do qual diz que ainda é cedo para falar. "Digamos que não é uma tragédia grega, mas uma tragédia negra."

    Mas ela afirma que, para sua segunda obra, a trilha sonora mudou. "É um livro escrito com Cartola, não ao som de Beyoncé", diz a autora, que nunca antes veio ao Brasil.

    *

    ESSE CABELO
    AUTORA Djaimilia Pereira de Almeida
    EDITORA LeYa
    QUANTO R$ 34,90 (144 págs.)

    -

    MESA 3 - PONTOS DE FUGA + FRUTO ESTRANHO
    ESCRITORAS Carol Rodrigues, Djaimilia Pereira de Almeida, Josely Vianna Baptista e Natalia Borges Polesso
    QUANDO qui. (27), às 15h, no Auditório da Matriz; transmissão no site do evento

    Flip

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024