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    Flip

    Mulheres têm mais liberdade sexual na cadeia, diz Drauzio Varella na Flip

    FRANCESCA ANGIOLILLO
    ENVIADA ESPECIAL A PARATY

    28/07/2017 13h24

    Quando o médico Drauzio Varella quer "quebrar o gelo" em um atendimento numa penitenciária feminina, a primeira pergunta que faz é 'quantos filhos você tem?'. "São muitos", complementa o oncologista e escritor diante da plateia da Casa Folha.

    A alta natalidade entre as mulheres jovens de classe baixa é um componente crucial para o quadro de violência no país, explicaria o médico ao longo do encontro da manhã desta sexta (28), no espaço da Folha em Paraty.

    O local teve na manhã desta sexta (28) sua mesa mais lotada em sete edições. Um público de cerca de 200 pessoas, na maioria mulheres, se reuniu para a conversa entre Drauzio Varella e Fernanda Mena, repórter especial do jornal.

    O tema era o recente "Prisioneiras" (Companhia das Letras), que encerra a trilogia carcerária do autor e colunista da Folha e se baseia na sua experiência atuando, desde 2006, como voluntário em penitenciárias femininas.

    Aplaudido repetidas vezes durante o encontro, o médico abordou as especificidades do trabalho entre as encarceradas, após 17 anos atuando no universo prisional masculino.

    "As mulheres são muito mais complexas do que nós. Eu comecei a entender que a diferença fundamental mesmo é que as mulheres têm filhos. Homens também têm, mas gravidez indesejada, para o homem, não existe."

    Outro problema característico que as prisioneiras enfrentam é a solidão. "Esse homem que jura amor pra vocês para no portão de entrada", disse. "Portanto não aconselho a nenhuma das presentes ir presa", completou, arrancando risos da plateia.

    Assita ao evento com Drauzio Varella na Casa Folha

    Assita ao evento com Drauzio Varella na Casa Folha

    Essa realidade, que soma a alta natalidade e o abandono, explica Drauzio, alimenta o ciclo de violência como um todo.

    "Uma moça de 23 anos, três filhos, como ela vai trabalhar?", pergunta o médico. "O emprego está nas regiões mais ricas da cidade. Esse deslocamento dura, duas, três horas para ir e para voltar."

    "Por outro lado", segue, "o tráfico dá emprego e paga muito bem –comparando com o que os empregos regulares pagam. Está tão fácil aquilo, pega daqui, pega dali, você pode comprar as coisas para as crianças. Quando menos percebem, estão envolvidas."

    E presas. Com as mães na prisão, as crianças são "espalhadas" entre casas de parentes, crescem sem referência, "entre pares violentos", caindo na criminalidade eles também.

    O jeito franco do entrevistado manteve o clima leve apesar do clima sério.

    Drauzio ainda falou das condições das gestantes e mães presas, que por muito tempo eram algemadas no parto e tinham as crianças levadas aos dois meses ("Melhorou, felizmente, tem um pré-natal decente") e dos problemas de saúde mais frequentes entre as detentas.

    "Mulher tem dor nas costas, dor de cabeça e problemas de intestino. Enxaqueca é universal. Portar uma cabeça em cima do pescoço dói! É um trabalho doloroso!", disse rindo e arrancando risadas.

    Quando a mediadora lhe perguntou por que o interesse dele nesse trabalho, respondeu que era algo que vinha desde a infância.

    "Desde criança, eu via aqueles filmes de cadeia, ficava tão excitado, não conseguia piscar." E disse que sempre teve interesse nas situações-limite.

    "A gente aprende muito. É difícil dizer como eu seria se tivesse sido diferente. Eu tenho certeza de que eu teria uma visão muito mais pobre da sociedade brasileira e da vida mesmo, minha vida seria muito menor", disse, sendo aplaudido novamente.

    VIOLÊNCIA DE GÊNERO

    Seu trabalho entre as mulheres presas começou depois de um momento em que tinha deixado o trabalho nas carceragens, após o fim da Casa de Detenção do Carandiru.

    "Não tem coisa mais triste do que você ver a cadeia esvaziando", recordou, sob gargalhadas gerais. E explicou: "Acaba aquilo –não vou chamar de alegria– mas acaba aquele movimento."

    A realidade da violência de gênero também foi abordada. O médico pediu que levantasse a mão a mulher da plateia que nunca tivesse sofrido um abuso, físico ou verbal, na vida. Ninguém se manifestou.

    "Paradoxalmente, o único lugar em que a mulher pode ter liberdade sexual é a cadeia", disse. Ao que se seguiu uma graciosa explanação sobre os tipos de homossexuais na cadeia, que são vários.

    "A homossexualidade é muito mais próxima do repertório feminino. Nós somos muito simples. Descrever sexualidade em cadeia masculina é um parágrafo. Na feminina, são três capítulos."

    O encontro se encerrou com uma sequência de perguntas da plateia, que incluiu a revolta das presas com a liberdade provisória de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, para cuidar dos filhos ("Vocês não imaginam a revolta que esse caso causou") e sobre o dever ético da sociedade de interferir nessa realidade.

    "É evidente. Eu fico chocado porque as pessoas se chocam com a violência. Como você tem uma quantidade enorme de crianças e adolescentes em contato com o crime, vivendo em condições difíceis, acho até que o número de ladrões, assaltantes e traficantes é pequeno."

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