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    Flip

    Se tivéssemos ouvido Lima Barreto erraríamos menos, diz autora na Flip

    AMANDA RIBEIRO MARQUES
    ENVIADA ESPECIAL A PARATY

    28/07/2017 14h41

    Se a militância de Lima Barreto contra os absurdos do racismo tivesse sido ouvida no século 20, a discriminação não assassinaria milhares de jovens negros e pobres todos os anos no Brasil, disse a jornalista e escritora Luciana Hidalgo.

    A fala fez parte da mesa "Moderno Antes dos Modernistas", primeira da programação principal da Flip desta sexta-feira (28). O encontro foi mediado pela doutora em Literatura Brasileira Rita Palmeira.

    Durante o debate, que lotou a Igreja Matriz, Luciana e o pesquisador e crítico literário Antonio Arnoni Prado discutiram a situação de marginalização de Barreto e o uso que fez da linguagem como forma de resistência.

    Para Luciana, o autor foi o que mais forçou os limites do que poderia se dizer no Brasil no século 20, e talvez até hoje. A escritora citou como exemplo o romance "Clara dos Anjos" (1922), possivelmente o primeiro a apresentar como protagonista uma mulher negra.

    Seguindo a linha temática do debate, os participantes discutiram o vanguardismo de Barreto. Ele acabou antecipando a linguagem modernista ao ir contra a escrita rebuscada dos literatos de sua época e produzir textos com linguagem simples e fragmentada.

    Isso acabou reforçando o isolamento do autor, já discriminado na época por ser negro e pobre.

    Alguns exemplos dessa marginalização foram apontados por Luciana, como o caso, ocorrido em 1920, em que Barreto foi internado como indigente em um hospício devido a problemas de alcoolismo.

    Nessa época, ele já havia escrito todos os seus grandes romances —incluindo "Triste Fim de Policarpo Quaresma"— e era reconhecido pela crítica. Ao invés de se lamentar, no entanto, aproveitou para escrever um diário, onde descrevia a vida no hospício e criticava a psiquiatria da época.

    A marginalização e o racismo também foram os motivos pelos quais Barreto foi obrigado a abandonar seus estudos na Escola Politécnica da USP.

    Aliás, a curadora da festa, Joselia Aguiar, leu antes do início da mesa uma carta em que conselho de diretores e a associação de ex-alunos da Politécnica se desculpavam tardiamente pelas situações de discriminação que levaram o autor a abandonar os estudos.

    Em outro ponto da conversa, Luciana Hidalgo descreveu Lima Barreto como o pioneiro da autoficção no Brasil e um típico flanêur —que caminha observando e registrando a cidade.

    Essa, inclusive, foi sua inspiração para escrever o romance "O Passeador" (Rocco, 2011) que apresenta o autor como protagonista e espectador das mudanças por que passava o Rio de Janeiro durante a política de higienização do prefeito Pereira Passos (1902-1906).

    Observando a demolição dos cortiços e a urbanização da cidade, Barreto se sente pertencer cada vez menos à realidade carioca.

    Para Prado, mais do que um registrador de seu tempo, o escritor enxergava além do horizonte sem perspectivas da classe dominada e lutava pela liberdade dos oprimidos por meio da literatura.

    Tendo como centro de seu trabalho as contradições urbanas, sociais, econômicas e humanas, Barreto usava a escrita como uma forma de "se libertar e se vingar da sociedade que oprimia os que nada tinham", diz Prado.

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