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    Em livro, advogados narram bastidores de crimes famosos

    RAFAEL GREGORIO
    DE SÃO PAULO

    29/07/2017 02h00

    O que motiva o assassino? E os advogados, como e por que defendem os facínoras?

    Essas e outras curiosidades embasam a coletânea "Grandes Crimes", lançada na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha. No evento, o livro também foi tema de mesa na Casa Folha.

    Do canibalismo à repressão política, o organizador Pierre Moreau e mais 11 profissionais do direito resgatam bastidores e detalhes de casos marcantes.

    Moreau, sócio da Casa do Saber e advogado, liga a motivação do trabalho a "um paralelo entre a verdade dos autos e a verdade jornalística".

    Em registro literário ou documental, as narrativas unem definições jurídicas, contextos históricos e ponderações sobre a índole humana. Muitas acompanham reproduções de reportagens sobre os fatos.

    Essa comparação entre o que se ouviu dizer e o que se julgou pode surpreender, como no caso das mortes de PC Farias e Suzana Marcolino.

    "Ficou a impressão de que se escondia algo, e os jurados estão sujeitos a essas especulações", diz a advogada Luiza Nagib Eluf, crítica do que chama de "cultura do ciúme".

    Na transição da petição à literatura, eles e elas desnudam dribles e jogadas ensaiadas da ciência criminal, mas também seus limites e contradições.

    O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau escreve sobre a morte do escritor Euclides da Cunha:

    "A leitura dos autos permite perceber que há sempre mais de uma versão dos fatos. O que prevalece em qualquer ação", conclui, "é a verdade dos autos, não a dos fatos".

    MOSAICO SANGRENTO

    Alguns textos esclarecem, outros levantam dúvidas. Certas tramas citam personagens anônimos, e outras, figuras históricas. Pesquisas se ladeiam a crônicas e borram a fronteira entre ficção e realidade.

    Em comum, um exame da advocacia por dentro; a chance de saber o que levou advogados ao sucesso em casos tidos por impossíveis.

    "O júri decide imerso em carga emocional", afirma Moreau. É nessa brecha, diz, que ele ou ela, defensores, às vezes brilham, elevando consigo a própria advocacia.

    É assim em "Doutor Smith", no qual Arnaldo Malheiros Filho (1950-2016) lembra um homem que mata três pessoas, duas com testemunhas, e escapa a dois júris –nas palavras do autor, "um péssimo processo, com um ótimo réu".

    A amizade entre Rubens Paiva e o pai de Moreau motivou o organizador a lembrar verdades e mentiras no desaparecimento do deputado, durante a ditadura militar.

    Já o advogado e professor René Ariel Dotti resgata o assassinato da socialite Ângela Diniz, em 1976, pelo qual o assassino foi absolvido por "legítima defesa da honra".

    Da narrativa do crime e da reação popular deriva reflexão sobre a dignidade e o feminicídio no Brasil. "O julgamento fortaleceu o movimento feminista", lembra Dotti. Enterrou também, ao menos na Justiça, a tese de defesa da honra.

    Grandes Crimes
    Pierre Moreau
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    A advogada Alice Luz, por sua vez, reconstitui a morte da atriz Daniella Perez, em 1992. Ganha luz a apuração independente realizada pela própria mãe da vítima, a novelista Glória Perez, na ação penal.

    Da leitura advém também reflexão sobre o Estado de Direito e o papel da advocacia. Mesmo –ou principalmente– em defesas de acusados moralmente "indefensáveis".

    "Narrar o exercício do direito de defesa é reforçar sua proteção", resume Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.

    *

    1 - "Doutor Smith"
    Autor: Arnaldo Malheiros Filho (1950-2016)
    Onde, quando: São Paulo; entre os anos 1960 e 1980
    Acusação: homem português assassinou a mulher e dois colegas após ser demitido
    Situação: foi absolvido em dois Tribunais do Júri e saiu em liberdade

    2 - "Imigrações, mortes e malas"
    Autor: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira
    Onde, quando: São Paulo; 1908, 1931, 2003 e 2012
    Acusação: homens e mulheres são acusados de homicídios seguidos de ocultações de cadáveres em malas; um deles é o assassinato de Marcos Kitano Matsunaga pela esposa, Elize
    Situação: Elize foi condenada a 19 anos e 11 meses e cumpre pena

    3 - "Os crimes dos dois Euclides"
    Autor: Eros Grau
    Onde, quando: Rio de Janeiro; 1909 e 1916
    Acusação: Dilermando de Assis matou Euclides da Cunha, de cuja mulher era amante; anos depois, matou o filho do escritor, seu enteado
    Situação: foi absolvido nas duas ocasiões por legítima defesa

    4 - "O caso dos três canibais"
    Autor: José Paulo Cavalcanti Filho
    Onde, quando: Recife, Olinda e Garanhuns (PE); de 2008 a 2012
    Acusação: um homem e duas mulheres são acusados de matar e esquartejar três jovens, além de prepararem comida com os restos mortais delas
    Situação: condenados a mais de 19 anos de prisão, estão presos; faltam dois júris

    5 - "Choque emotivo na província"
    Autor: José Renato Nalini
    Onde, quando: São Paulo, década de 1940
    Acusação: grávida, jovem é acusada de matar com um tiro na cabeça homem rico da capital com quem havia se casado há menos de dois meses
    Situação: defendida pela advogada Esther de Figueiredo Ferraz, foi absolvida

    6 - "Madrugada de agosto"
    Autor: José Alexandre Tavares Guerreiro
    Onde, quando: Rio de Janeiro; 1954
    Acusação: chefe da guarda de Getúlio Vargas, Gregório Fortunato é acusado de contratar matadores para assassinar o jornalista e político de oposição Carlos Lacerda
    Situação: o episódio desencadeou o suicídio de Getúlio; condenado, Fortunato foi assassinado na prisão, em 1962

    7 - "O assassinato do deputado Rubens Paiva"
    Autor: Pierre Moreau
    Onde, quando: Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1971
    Acusação: agentes da ditadura são acusados de matarem o deputado Rubens Paiva e de ocultarem seu cadáver
    Situação: a Comissão da Verdade identificou os agentes; nenhum foi punido

    8 - "Doca Street e o preço do machismo"
    Autor: René Ariel Dotti
    Onde, quando: Búzios (então Cabo Frio), 30 de dezembro de 1976
    Acusação: Raul Fernandes do Amaral matou a tiros a socialite Ângela Diniz
    Situação: por legítima defesa da honra, foi absolvido no júri; novo julgamento o condenou a 15 anos de prisão

    9 - "Investigação sobre o atentado do Riocentro"
    Autor: Eduardo Muylaert
    Onde, quando: Rio de Janeiro (RJ), 30 de abril de 1981
    Acusação: atentado a bomba frustrado mata um oficial do Exército; governo militar culpa organizações de esquerda
    Situação: investigações ligaram o ato a setores do governo insatisfeitos com a abertura política; ninguém foi punido

    10 - "O assassinato de Daniella Perez"
    Autora: Alice Luz
    Onde, quando: Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1992
    Acusação: Guilherme de Pádua matou a atriz Daniella Perez com a ajuda da mulher, Paula Thomaz
    Situação: após "investigação particular" empreendida pela mãe da vítima, Glória Perez, eles foram condenados a 19 anos de prisão; ambos já estão em liberdade

    11 - "O misterioso caso PC Farias e Suzana Marcolino"
    Autora: Luiza Nagib Eluf
    Onde, quando: Maceió (AL), 23 de junho de 1996
    Acusação: ex-tesoureiro do ex-presidente Collor, PC Farias e a namorada foram encontrados mortos
    Situação: face a suspeitas de "queima de arquivo", o caso foi encerrado: Suzana teria matado ele e se suicidado

    12 - "O crime da prática do racismo: o caso Ellwanger"
    Autor: Celso LaferOnde, quando: Porto Alegre (RS), de 1985 a 1991
    Acusação: Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010) foi acusado de racismo por publicar livros antissemitas
    Situação: foi condenado em meio a debate sobre "raça" e liberdade de expressão

    *

    GRANDES CRIMES
    ORGANIZADOR Pierre Moreau
    EDITORA Três Estrelas
    QUANTO R$ 49,90 (288 págs.)

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