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    CRÍTICA

    Em livro sem tensão, Agualusa exagera em provérbios e clichês

    JORGE HENRIQUE BASTOS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    01/08/2017 02h11

    Bruno Santos/Folhapress
    O escritor angolano José Eduardo Agualusa durante a 15ª Flip
    O escritor angolano José Eduardo Agualusa durante a 15ª Flip

    Dois pormenores factuais perpassam pelo livro "A Sociedade dos Sonhadores Involuntários", do angolano José Eduardo Agualusa.

    Primeiro, as reminiscências dos diálogos sobre sonhos entre o autor e Sidarta Ribeiro, neurocientista do Instituto do Cérebro, de Natal.

    Segundo, os fatos desencadeados, em junho de 2015, com a prisão de jovens ativistas angolanos conhecidos como "revus", tendo à frente o rapper Luaty Beirão.

    Com esse sustentáculo, o escritor estrutura a obra revelando a mensagem explícita de cunho reivindicativo e político sobre os destinos de sua terra natal.

    A obra tem por base três personagens, como Hossi, ex-guerrilheiro que assombra o sonho de desconhecidos e acabará provocando uma genuína revolução.

    Acrescente-se ao cenário a mensagem subliminar do escritor que, desde "O Vendedor de Passados" e "Teoria Geral do Esquecimento", recrudesce a visão crítica e política, criando ficções que beiram o fabular. Com efeito, ficção e realidade acabam se mesclando, trocam de posição e sentido, consolidando a obra do autor.

    Mas tais marcas adquirem características positivas ou negativas. Nesse caso, o imediatismo torna-se evidente, mas necessário, já que a obra estava em processo quando ocorreram os fatos envolvendo os "revus", e por sua vez aglutinados pela escrita.

    Ele exagera do tom proverbial. "O que se alcança pela violência permanece envenenado pela violência."; "Partilhar uma casa com um gato é uma forma elegante de solidão."; "A mentira é uma arte que os simples de espírito dominam mal."

    Resvala em clichês que expõem matizes adamados e óbvios, atenuando o vigor de um escritor com o seu percurso: "O menino que eu fui gostava de ficar estendido de costas num dos ramos mais altos do abacateiro, enquanto o firmamento se abria, lá em cima, deixando ver milhões de estrelas em movimento, como pirilampos num poço".

    Tampouco se furta de trocadilhos gratuitos e dispensáveis como "Não pode ser, kota, a praia é domínio púbico".

    As ocorrências de cunho fantástico se sucedem sob a visão de Hossi, por isso não surpreende que Agualusa faça referência a García Márquez, já que se assemelha a um rebento africano tardio, daí a defesa contínua dos aspectos oníricos.

    Com a exceção de Benchimol e Hossi, os personagens não têm robustez. As ações do livro se efetivam sem tensão, como se fosse absolutamente normal alguém ir nadar no mar, encontrar uma máquina fotográfica flutuando, pouco depois bater na porta da dona em outra cidade, se apresentar e tudo acabar na cama. É tudo muito fácil e corriqueiro, sem dramaticidade nem suspense.

    A Sociedade Dos Sonhadores Involuntários
    José Eduardo Agualusa
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    O autor descreve o processo real que ocorreu, após a prisão dos jovens, como se fosse a mídia enumerando os acontecimentos à época.

    Na confluência de tais fatos, o escritor finca sua lança no cerne de um fato real, configurando-o como pano de fundo do seu livro. Vale como apoio às lutas do povo angolano, mostrando ao mundo as máscaras do governo corrupto local.

    Mas como literatura falha nesse intento, ao assumir o estilo providencial, quase acessório, apostando em demasia numa urdidura ficcional precária e apressada.

    A SOCIEDADE DOS SONHADORES INVOLUNTÁRIOS (regular)
    QUANTO R$ 41,90 (256 págs.)
    AUTOR José Eduardo Agualusa
    EDITORA Tusquets

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