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    ANÁLISE

    Indústria musical sangra 'despacito' na rede

    ABEL REIS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    05/08/2017 02h05

    Reprodução
    Luis Fonsie e Daddy Yankee em cena do clipe 'Despacito
    Luis Fonsie e Daddy Yankee em cena do clipe 'Despacito'

    A canção a 99 centavos de dólar é um ícone da revolução digital. Sem amarras de gravadoras, lojas ou suporte físico (cassete, vinil e CD), o produto ficou livre, leve e solto. Mas, enquanto baixamos nosso som favorito, compositores e cantores se perguntam se vale a pena prosseguir.

    A remuneração é tímida pelas lojas on-line e serviços de streaming pagos (Spotify, Deezer etc.), ou quase de graça, considerando a irrisória recompensa por "views" patrocinados do YouTube.

    Segundo a IFPI (federação internacional da indústria fonográfica), com mais de 800 milhões de usuários, o YouTube pagou US$ 1 bilhão de royalties aos players em 2016 contra US$ 2 bilhões do Spotify um ano antes, em 2015.

    De acordo com a RIAA (associação americana da indústria de gravadoras), o YouTube deteve em 2014, globalmente, cerca de 50% do conteúdo patrocinado de streaming. Em contrapartida, a sua receita gira em torno de 13% do total do setor.

    Até os anos 1990, gravadoras e selos administravam talentos de modo a equilibrar resultados. A receita gerada por um cantor com recorde de vendas, por exemplo, compensava a lucratividade modesta de um artista experimental.

    Além de garantir a saúde financeira da cadeia produtiva, a fórmula viabilizava a inovação, força que avança sempre correndo riscos. Teria uma banda como Velvet Underground, marco do rock que influenciou David Bowie e Radiohead, entre outros, resistido em um ambiente onde é cada um por si e o digital por todos?

    Na internet, agora está bem na fita a dupla que canta "Despacito" (devagarinho). Roberto Carlos não tem 1 milhão de amigos no Twitter, mas Luis Fonsi, um dos criadores e intérpretes do hit, sim. Na verdade, são quase 10 milhões de seguidores. Em julho, a canção sagrou-se campeã de streaming, com mais de 4,6 bilhões de reproduções na web.

    Mesmo assim, o show tem que continuar. É no palco e na pele de performer –com fôlego para incontáveis apresentações, presença na mídia, parceria com marcas e tudo que engaje a audiência– que alguns raros artistas fazem dinheiro. Para os que não passam por esse funil, ou seja, a imensa maioria, novas soluções serão necessárias.

    Um caminho são as plataformas de "crowdfunding", nas quais apreciadores de bandas ou de estilos específicos organizam-se em grupos e, por meio de doações, viabilizam shows, eventos de meet-and-greet (encontros) ou produções originais.

    Outra possibilidade: Spotify e similares criarem seus próprios selos, desempenhando papel de curadoria e direção artística nos moldes das antigas gravadoras.

    Assegurar espaço para a qualidade, criatividade e inovação bem como justa remuneração aos elos da cadeia dessa indústria é questão de sobrevivência.

    Ou veremos o poder perturbador do digital transformar música em commodity: todos fazem, poucos se diferenciam e quase ninguém ganha –inclusive nós, mortais, que teremos um repertório menos variado para apreciar, já que fórmulas batidas são mais seguras financeiramente.

    ABEL REIS é CEO da Dentsu Aegis Network Brasil e Isobar Latam.

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