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    CRÍTICA

    Romances de Mário de Andrade ganham versões desiguais

    ÉRICO ASSIS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    05/08/2017 02h06

    Divulgação
    Ilustracoes de eloar guazelli em Amar, Verbo Intransitivo
    Adaptação para quadrinhos do romance "Amar, Verbo Intransitivo", com ilustrações de Eloar Guazzelli

    AMAR, VERBO INTRANSITIVO (regular)
    AUTORES Ivan Jaf e Eloar Guazzelli, baseado no livro de Mário de Andrade
    EDITORA Ática
    PREÇO R$ 45,50 (104 págs.)

    *

    MACUNAÍMA (muito bom)
    AUTORES Rodrigo Rosa, baseado no livro de Mário de Andrade
    EDITORA Ática
    PREÇO R$ 45,50 (88 págs.)

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    As obras do escritor Mário de Andrade (1893-1945) entraram em domínio público em 2016. Chegaram nos estertores da sanha editorial pelas adaptações de literatura para quadrinhos, motivada pelas compras do governo federal para bibliotecas públicas. O estímulo federal acabou, e agora espera-se que o gênero das adaptações se sustente pelas próprias pernas.

    São os dois únicos romances de Andrade, "Amar, Verbo Intransitivo" (1927) e "Macunaíma" (1928), que ressurgem em versão HQ. Tal como são distintos na prosa, ganharam adaptações bastante distintas, de estilo quase antagônico, nos quadrinhos.

    "Amar, Verbo Intransitivo" centra-se em Elza, jovem alemã contratada para ser governanta e professora dos filhos da abastada família Sousa Costa. Na verdade é um plano do patriarca Felisberto, que quer a iniciação sexual do primogênito, Carlos, com a professora.

    Criticando os costumes da elite paulista de cem anos atrás com boa dose de irreverência e almejando certo escândalo, o livro faz um estudo íntimo dos personagens principais. O narrador é o próprio Mário de Andrade, que se permite apartes para comentar gramática e sociologia ou fazer gracejos quanto à trama.

    Andrade também ganha suas páginas –desde a capa, aliás– como personagem na versão em HQ, assinada por Ivan Jaf (roteiro) e Guazzelli (arte). O quadrinho também centra-se em recordatórios e balões de pensamento para encontrar o íntimo de Elza, Felisberto e Carlos.

    Na fidelidade ao livro, contudo, pesa negativamente a pouca atenção a expressões faciais e linguagem corporal dos personagens. Muitas vezes estáticos por longas sequências, falando ou pensando no linguajar preservado da prosa, decisão que gera seções arrastadas. É como um filme com atores preguiçosos.

    Por outro lado, nas páginas sem palavras –tal como a de Carlos notando as pernas da professora no jardim – ou no movimento sutil da cena da família no trem, o álbum alcança sua devida expressão como quadrinho.

    Na contramão do estatismo de "Verbo Intransitivo", "Macunaíma" é ação e movimento. A aventura folclórico-fantasiosa-indígena sobre o herói sem caráter –já adaptada duas vezes para quadrinhos e bem conhecida na versão para cinema– é tratada como tal na adaptação de Rodrigo Rosa, que assina roteiro e arte.

    Rosa tomou, em primeiro lugar, uma decisão audaz: no traço, Macunaíma vira praticamente um gibi infantojuvenil, cruzando o estilo "narigudo" da franco-belga Escola de Marcinelle –que rendeu Asterix, Smurfs e outros– com as estilizações dos brasileiros Henfil e Canini. O resultado lembra alguma revista que se encontraria em banca no Brasil nos anos 1970.

    Macunaíma
    Mario de Andrade, Rodrigo Rosa
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    As cores, porém, não são os tons primários dos gibis, mas uma paleta tropical-terrosa inspirada em Tarsila do Amaral.

    O texto, assim como na versão original em prosa, segue o português do início do século 20, com gírias e termos indígenas dentro de grafia e gramática particulares a Mário de Andrade.

    Diferente de "Verbo Intransitivo", onde a adaptação pena para tomar o ritmo de HQ, "Macunaíma" é sobretudo uma HQ que se vê invadida pela fábula delirante de Mário de Andrade.

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