• Ilustrada

    Friday, 17-May-2024 02:19:36 -03

    Documentarista Michael Moore leva críticas a Donald Trump à Broadway

    DAVE ITZKOFF
    DO "NEW YORK TIMES"

    16/08/2017 02h00

    Chad Batka/The New York Times
    O documentarista americano Michael Moore
    O documentarista americano Michael Moore estreia o espetáculo "The Terms of My Surrender"

    Que diabos Michael Moore quer agora? Não basta que, por quase 30 anos, ele nos tenha provocado com seus filmes e ralhado pelo controle de armas, contra o governo de George W. Bush, sobre o sistema de saúde pública e por todas as outras causas progressistas que defende?

    Já não tivemos de suportar toda uma temporada eleitoral de avaliações pessimistas e previsões de vitória para Donald Trump, da parte de um homem que alguns veem como um audacioso defensor da verdade e outros consideram como um chato interessado em se autopromover?

    Agora Moore, 63, um sujeito deliberadamente desmazelado, quer que as pessoas vão à Broadway para assistir seu"one-man show", "The Terms of My Surrender" [algo como "as exigências para minha rendição"].

    Depois de todos os seus documentários, livros e programas de televisão, será que ainda lhe resta algo a dizer?

    "Não vou ocupar o tempo das pessoas ou esse espaço precioso para dar bronca nelas", diz Moore, sentado no poço da orquestra do Belasco Theater. "Não subirei ao palco para fazer um comício."

    Em lugar disso, ele diz que deseja contar histórias que farão com que os espectadores saiam rejuvenescidos, após meses de depressão.

    "Não vou fazer teatro de autoajuda", diz. "Mas quero que as pessoas saiam com a sensação de que algo as tocou profundamente."

    O momento não poderia ser melhor. Todas as vozes com algo de oposicionista, venham de colunistas de esquerda ou apresentadores de talk shows, parecem ter recuperado a força na era Trump. Talvez Moore, com seu boné de beisebol amarfanhado e suas origens no Meio-Oeste, possa oferecer respostas.

    Mas por que fazê-lo na Broadway? Se é verdade que ele só costuma convencer a quem já acredita em suas ideias –como afirmam seus detratores à esquerda e à direita–, falar a um grupo de espectadores de teatro em Nova York parece restringir sua mensagem à elite.

    O que leva Moore, conhecido por seu estilo controverso e sarcástico, a acreditar que possa fazer mais falando a mil espectadores que terão pagado até US$ 149 [cerca de R$ 472] por seus ingressos?

    BOTE NAUFRAGADO

    Em uma tarde recente de segunda, Moore admirava o cenário do espetáculo, que estreou em 10 de agosto.

    O palco é dominado por uma estrutura gigantesca que se lembra uma bandeira dos EUA tingida de branco, à moda de Jasper Johns. Em diversos momentos, vídeos de notícias, a maioria envolvendo Trump, eram ali projetados.

    Ainda que seja conhecido principalmente por seus documentários politizados, como "Tiros em Columbine", um estudo sobre um homicídio em massa em uma escola americana e sobre a cultura das armas no país que lhe valeu um Oscar em 1999, Moore tem experiência de palco.

    Em 2002, ele fez um monólogo ranzinza no Roundhouse Theater de Londres, sobre os ataques do 11 de Setembro. Em outubro do ano passado, fez apresentações de teatro em locais onde Trump aparecia à frente nas pesquisas.

    O espetáculo, registrado no documentário "Michael Moore in TrumpLand", era menos uma tirada contra o candidato presidencial republicano do que uma tentativa de propor argumentos positivos para que os eleitores escolhessem Hillary Clinton.

    Moore diz que sempre previu que Trump venceria a eleição. O espetáculo e o documentário foram sua tentativa de evitar o inevitável.

    "Se você está em um bote salva-vidas e a água está entrando, mas você só tem um copinho de papel, o que faz? Fica sentado lá ou ao menos tenta jogar a água para fora?"

    Moore conta ter dado dois telefonemas após a vitória de Trump: um ao produtor de cinema Harvey Weinstein, sobre um novo documentário; e um ao diretor Michael Mayer, para começar a planejar o espetáculo na Broadway.

    Mayer, ganhador do Tony e conhecido por dirigir musicais como "Spring Awakening" e "Hedwig and the Angry Inch", disse que ele e Moore já vinham discutindo uma colaboração havia três anos, mas que não tinham conseguido alinhar suas agendas.

    Ao longo dos últimos meses, os dois poliram as histórias e o texto de Moore, para determinar o que cabia no show e como encaixar o material de modo coeso. "Pouco do que está escrito não mudará noite após noite", diz Mayer, que define Moore como "ótimo contador de casos".

    "Ele tem 30 maneiras diferentes de relatar a cadeia de eventos e de extrair conclusões deles", diz o diretor.

    DESAFIO

    Da mesma forma que espera que os espectadores abordem seus filmes, Moore diz que, quando vai ao teatro, quer "ser desafiado". "Quero sair melhor, mais inteligente, mais zangado, mais feliz do que quando entrei."

    Mas os conservadores há muito afirmam que, em seus filmes e em outras mídias, Moore parece menos interessado em chegar à verdade do que em se colocar no cenário.

    "O papel dele é ralhar e resmunga", diz S. E. Cupp, comentarista e apresentador da rede de notícias HLN. "Se você realmente se interessa por alguma causa que ele defenda, é fácil encontrar heróis mais verdadeiros e que se autopromovam menos."

    Matt Lewis, colunista do site Daily Beast, diz que, embora no passado Moore tenha atraído parte da hostilidade reservada à esquerda, ele acabou substituído por figuras como Bernie Sanders, que têm poder político real.

    "Creio que, na verdade, a direita não pensa nele", diz. "Ele trabalha com afinco e é empreendedor. Mas persuasão não é seu ponto forte."

    Moore não se desculpa por seu estilo subjetivo como documentarista –"meu trabalho é, primeiro, fazer um grande filme"– ou por frustrar seus oponentes dos dois lados. "Não sou da Igreja da esquerda. Sou do Meio-Oeste".

    Moore diz que partilha dos valores das pessoas que acredita serem seu público e que pode representá-las. "Vi coisas que deveriam ter ficado invisíveis para mim, em Hollywood e na política. Quero que as pessoas comuns saibam que estamos juntos."

    Depois que "The Terms of My Surrender" encerrar sua temporada, em outubro, Moore vai cuidar de seu novo documentário, "Fahrenheit 11/9", uma referência ao dia posterior à eleição presidencial de 2016 (que ocorreu em 8 de novembro). "Acho que ainda não se respondeu como isso aconteceu."

    Também está preparando uma nova série de não ficção para a rede de TV TNT, que estreará no final do ano.

    Apesar das oportunidades que a nova era Trump parece ter lhe dado, Moore diz que preferiria que fosse o oposto. "O que eu sentiria se pudesse ficar sentado assistindo à ESPN e não precisasse fazer nada disso?", diz, incrédulo. "Você está falando sério?"

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024