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    ANÁLISE

    Silvino era um coadjuvante que frequentemente roubava a cena

    TONY GOES
    COLUNISTA DO "F5"

    17/08/2017 12h43

    Em 2014, eu trabalhava como redator do "Video Show" (Globo), que na época era apresentado por Zeca Camargo. Uma das minhas funções era repassar, no camarim, o roteiro do programa com o convidado do dia.

    Fiquei frente à frente com inúmeras estrelas, mas nenhuma me tirou do sério como Paulo Silvino. Literalmente: o humorista, que morreu nesta quinta (17), aos 78, me fez explodir em gargalhadas. Meu suposto profissionalismo foi chutado para escanteio, substituído pela mais pura tietagem.

    Silvino não se conteve quando eu me declarei seu fã desde criancinha. Contei que o conheci em um humorístico hoje meio esquecido: "TV Ó Canal Zero e TV Um Canal Meio", que ele comandou ao lado de Agildo Ribeiro nos primórdios da Globo, entre 1965 e 1966. O programa foi um antecessor de "Tá no Ar", com sátiras à TV de então.

    Lisonjeado, Silvino resolveu me presentear com um monólogo sobre uma figura fictícia da história do Brasil, o Papaceta, que ele fazia em suas apresentações de stand-up. Era um jorro de palavrões, totalmente impróprio para menores e irresistivelmente engraçado. Vou me arrepender para sempre de não tê-lo gravado.

    O fato é Paulo Silvino tinha algo de Costinha (1923-1995): nem precisava abrir a boca para fazer rir. Sua cara, que tem algo de pornográfica, já bastava.

    Ao longo das décadas, ele encarnou inúmeros personagens, mas quase todos transpiravam a mesma persona: o sujeito mulherengo, sem papas na língua, que falava duras verdades no mais perfeito "timing" cômico.

    Lançou bordões obscenos, que ficaram na memória da minha geração. Como, por exemplo, "Guenta, doutor, ele gueeeenta" —que saía da boca do policial Fonseca, um adepto da tortura— ou "Dá uma pegadinha", do travesti bigodudo Olegário Carnaval.

    Ou ainda "Cara, crachá, cara, crachá", de uma de suas últimas criações: o porteiro Severino, do programa "Zorra Total". O sucesso foi tão grande que a própria Globo usou a frase e o personagem numa campanha interna, para incentivar seus funcionários a circularem devidamente identificados.

    Praticamente não houve humorístico importante do qual Silvino não tenha participado. Além do já citado "Zorra" (no qual chegou a aparecer na atual segunda fase), também passou por "Faça Humor, Não Faça Guerra", "Satiricom", "Planeta dos Homens", "Viva o Gordo" (na Globo, entre as décadas de 1970 e 1980), "A Praça É Nossa" (no SBT, entre 1989 e 1992) e todas as "Escolinhas": a "do Professor Raimundo" (Globo), a "do Golias" (SBT) e a "do Barulho" (Record), em diversos momentos da década de 1990.

    Mesmo assim, jamais se tornou uma estrela do quilate de um Chico Anysio ou um Jô Soares, com quem costumava contracenar. Mas era um coadjuvante de luxo, que frequentemente roubava a cena.

    Silvino morreu sem ter lançado seu livro-vídeo "As Aventuras do Papaceta", que registra o espetáculo do qual ele me deu uma palhinha particular. Tomara que saia em breve: vai ser um registro precioso de um dos maiores comediantes que este país já teve.

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