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    Nova feira, Semana de Arte quer ser firmar como a ala VIP do mercado

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    17/08/2017 17h00

    Mudou um tanto a paisagem. Se fossem de carne e osso, os operários na tela de Di Cavalcanti que coroa a Semana de Arte, a mais nova feira do mercado artístico paulistano, talvez se assustassem.

    Esse mural que adornava uma antiga fábrica de colchões, entendido agora como uma das cinco obras mais importantes do modernista, está no centro de uma butique fervida, arquitetada no subsolo do hotel Unique para a nata dos colecionadores.

    Não basta, aliás, ser só VIP. Num mercado de arte dividido em castas, que vão de zero a pouquíssimo afetadas pela atual recessão econômica, a ideia de um cercadinho para os muito-muito-importantes parece estar por trás do evento comercial -"a diferença entre o supermercado e a delicatéssen", nas palavras de um de seus fundadores.

    Divulgação
    Trabalhadores', de Di Cavalcanti, obra levada à feira Semana de Arte pela galeria uruguaia Sur
    'Trabalhadores', de Di Cavalcanti, obra levada à feira Semana de Arte pela galeria uruguaia Sur

    Na Semana de Arte, já dizia Thiago Gomide, só entra o que já foi "pré-selecionado, pré-visto". "Não tem como cair em roubada", afirma. "Tudo que tem ali dentro é muito bom."

    E também muito caro. Obras levadas pelas quase 40 galerias ocupando agora os salões da barcaça de concreto atracada perto do parque Ibirapuera podem passar fácil da casa dos R$ 20 milhões.

    Uma grande afinidade com cifras desse naipe e certa aversão a multidões, aliás, orientaram desde os primórdios a ideia dessa feira, que se esforça para ser tudo menos feira.

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    Trepante', de Lygia Clark, obra levada à feira Semana de Arte pela galeria Almeida e Dale
    'Trepante', de Lygia Clark, obra levada à feira Semana de Arte pela galeria Almeida e Dale

    É fato que, antes mesmo de rolar a primeira transação ali, eventos paralelos se espalharam pela cidade -passeios pelos prédios modernistas de Higienópolis, conversas com artistas, um espetáculo de dança, uma peça de teatro e até uma sessão de cinema.

    Mas os olhos dessa longa Semana se voltam agora para as vendas. Enquanto a economia derrete e corrói o faturamento das galerias do país, os criadores da feira esperam a visita de colecionadores estrangeiros, espantados pelo mormaço do alto verão americano e europeu, e defendem a ideia de que em tempos de crise é melhor criar um movimento em vez de sair de cena.

    "Não mudou a sensação de incerteza com o país, não evoluiu nem piorou", diz Thiago Gomide. "Mas nessas horas é preciso fazer alguma coisa."

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    Obra de Flávio de Carvalho levada à feira Semana de Arte pela galeria Frente
    Obra de Flávio de Carvalho levada à feira Semana de Arte pela galeria Frente

    Ninguém no time ali é ingênuo ou novato, o que indica que podem estar no caminho certo. Além de Gomide, metade da dupla de marchands Bergamin & Gomide, que em curtíssimo tempo virou uma referência no mercado de arte moderna, a mais poderosa galerista do país, Luisa Strina, o produtor Emilio Kalil e o crítico Ricardo Sardenberg encabeçam essa primeira tentativa de fazer frente à hegemonia da SP-Arte na cidade.

    Eles atacam o excesso, ponto fraco da maior feira do continente, que nos últimos três anos vem sofrendo uma retração no volume de negócios.

    Em vez de encher três andares do pavilhão da Bienal de São Paulo com galerias que vão das nanicas no térreo às superpoderosas na ala contemporânea, queriam concentrar toda a potência de obras de altíssimo calibre num lugar só, sem o agito social nem peças menores que possam ofuscar as verdadeiras joias.

    Entre elas, está um "Trepante" e outras esculturas-chave da neoconcretista Lygia Clark, com etiquetas de até R$ 4,5 milhões, pinturas da fase mais "top" de Volpi, nas palavras do marchand Paulo Kuczynski, que fixou preços entre R$ 750 mil e R$ 5,5 milhões para algumas telas até agora fora do radar do mercado, uma seleção forte de obras de Tunga e peças raríssimas de Flávio de Carvalho, como os nus femininos que desenhou com tinta que brilha no escuro.

    "Tem um pot-pourri de arte de todos os tempos", diz Sardenberg, que fez a seleção das galerias. "São obras monumentais, com uma representação da modernidade, com Volpi, Guignard, Pancetti, e também contemporâneos, como os Los Carpinteros.

    Essa monumentalidade toda explica preços que parecem estar nas alturas. Agentes do mercado dizem, no entanto, que valores estão estacionados há pelo menos três anos, quando a crise se instalou para valer no país.

    "De lá para cá, houve uma certa estabilidade, com a acomodação para baixo dos preços", diz Paulo Kuczynski. "A crise deixa o mercado mais seletivo. Só aquelas obras que arrebatam o desejo das pessoas são vendidas."

    Diretores da Semana de Arte viam nisso uma janela de negócios perfeita para obras-primas. Tentaram ainda turbinar vendas com descontos calcados na isenção parcial de impostos, mas não conseguiram negociar com o governo o mesmo benefício dado à SP-Arte nos últimos quatro anos.

    Sem o incentivo que poderia cortar pela metade o valor pago por algumas obras, a galeria Sprovieri, de Londres, decidiu deixar a feira de última hora. Entraram no lugar a paulistana Dan e a uruguaia Sur, que levou o enorme Di Cavalcanti dos operários para contemplar toda a ostentação no hotel Unique.

    SEMANA DE ARTE
    QUANDO nesta quinta (17), para convidados; nesta sexta (18) e sábado (19), das 12h às 20h; domingo (20), das 12h às 18h
    ONDE hotel Unique, av. Brig. Luís Antônio, 4.700, semana.art
    QUANTO R$ 80

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