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    CRÍTICA

    Obras são incapazes de transpor verniz heroico de Percy Fawcett

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    24/08/2017 02h00

    Reprodução
    Percy Fawcett
    O então major Percy Harrison Fawcett no Peru, em foto de 1911

    Nem adianta tentar dourar a pílula. O tenente-coronel Percival "Percy" Harrison Fawcett (1867-1925), oficial do Exército de Sua Majestade Britânica, membro da Real Sociedade Geográfica e explorador da Amazônia, era um sujeito meio pancada.

    Ninguém acredita impunemente numa conexão pré-histórica Atlântida-Brasil ou na suposta "memória psíquica" de artefatos de pedra.

    É possível narrar a vida e as desventuras de Fawcett de muitas maneiras, mas nenhuma abordagem será totalmente bem-sucedida sem mostrar a importância das ideias de jerico para o destino desse personagem singular.

    O engraçado é que, por enquanto, os que tentaram traçar um retrato do explorador e de sua busca por cidades perdidas pré-cabralinas nas florestas brasileiras não conseguiram demonstrar em sua inteireza o núcleo de maluquice por trás do verniz de herói vitoriano, talvez ofuscados pela aura de heroísmo que esse verniz projeta.

    Dos livros em português sobre a figura, o que mais se aproxima disso é "Esqueleto na Lagoa Verde", de 1953, do escritor e jornalista fluminense Antonio Callado (1917-1997).

    A obra de Callado nasce de seu trabalho como repórter – ele tomou contato com a lenda de Fawcett ao viajar para o Xingu, região onde o britânico desapareceu, acompanhando o filho sobrevivente do explorador, Brian, numa visita à região em janeiro de 1952.

    Brian é o "sobrevivente" porque Fawcett levara Jack, seu filho mais velho, na derradeira jornada Amazônia adentro, e nenhum retornou.

    Callado está muito longe de se contentar com a meta de reconstruir as expedições e o (provável) assassinato de Fawcett pelos indígenas xinguanos.

    Irônico, meditativo, com uma fleuma que não estaria fora de lugar na pena de um britânico, o escritor brasileiro usa os desencontros em torno do suposto cadáver do oficial (o tal "esqueleto na lagoa" que motivou a vinda de Brian, cujos dados antropométricos não batiam com os de Fawcett) para meditações sobre o abismo entre "civilizados" e "selvagens" (que hoje soam racistas, embora ainda tenham força literária considerável)

    Trata também da própria incerteza inerente ao ato de contar uma história. Como o Xingu (antes de Belo Monte, ao menos), o texto meandra.

    Outros dois jornalistas, no Brasil e nos EUA, respectivamente, tentaram transformar a confusa trajetória de "P.H.F." (como era conhecido) em algo mais linear e saboroso de ler, com cara de "thriller".

    Hermes Leal deu o título "O Verdadeiro Indiana Jones" (2007) a sua obra, enquanto David Grann, repórter da revista "New Yorker", preferiu destacar a quimera arqueológica perseguida pelo explorador com seu "Z, A Cidade Perdida", de 2010, (que se tornou filme de James Gray neste ano).

    Grann é um arquiteto narrativo mais hábil do que Leal, mas ambos acabam sucumbindo a certa breguice quando falam das crenças budistas do oficial (que se converteu a essa fé durante seu período de serviço no atual Sri Lanka), de suas disciplinas espirituais ou de sua capacidade supostamente mágica de sobreviver na selva com quase nada e de travar amizade com os nativos

    Exploradores mais sóbrios que Fawcett, como o canadense John Hemming, hoje avaliam sua competência nos trabalhos de campo como mediana, no máximo.

    Esqueleto na Lagoa Verde
    Antonio Callado
    l
    Comprar

    Para quem sabe inglês, uma dica interessante pode ser pular os intermediários e ir direto à fonte. "Exploration Fawcett" (2001), coletânea de escritos do próprio explorador organizada por Brian, tem um charme biruta ao qual é difícil resistir.

    Fawcett narra os principais episódios de sua trajetória como geógrafo de campo de um jeito direto e divertido –e, na sequência, tome páginas sobre os supostos habitantes pré-históricos ruivos de olhos azuis da América do Sul, ou sobre a civilização tolteca do antigo México ser uma colônia da Atlântida. Só não é para levar a sério, gente.

    ESQUELETO NA LAGOA VERDE
    AUTOR Antonio Callado
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 29,80 (160 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

    EXPLORATION FAWCETT
    AUTOR Percy Fawcett
    EDITORA Weidenfeld & Nicolson
    QUANTO R$ 60,57 (336 págs.)
    AVALIAÇÃO regular

    O VERDADEIRO INDIANA JONES: O ENIGMA DO CORONEL FAWCETT
    AUTOR Hermes Leal
    EDITORA Geração Editorial
    QUANTO R$ 30,92 (288 págs.)
    AVALIAÇÃO regular

    Z, A CIDADE PERDIDA
    AUTOR David Grann
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 40,90 (410 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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