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    Em 'Laços', trama sobre adultério banal urde romance envolvente

    FRANCESCA ANGIOLILLO
    EDITORA-ADJUNTA DE CULTURA

    26/08/2017 02h00

    Reprodução/Instagram
    Domenico Starnone
    O autor de 'Laços', Domenico Starnone

    Tiremos esse assunto do caminho: "Laços" parece Elena Ferrante? Sim. Agora, como sugeriu seu autor, Domenico Starnone, à Folha, sigamos em frente. Afinal, diria Barthes, durante a experiência do leitor com a escrita, o autor, seja quem for, está morto.

    Leiamos, pois, o livro pelo que ele é –ele merece.

    A história do adultério de Aldo e de como ele afeta sua vida com Vanda e com Sandro e Anna, seus filhos, à altura dos acontecimentos crianças, soa banal.

    Doze anos de um casamento iniciado de forma impulsiva, a paixão sucumbida ao ramerrão dos dias; uma mulher leve que chega, um sopro de vida –e a família passa a ser um entrave a anular.

    Que essa família possa ressurgir e se impor depende de algo que pareça natural, um chamado do sangue, uma prova de que aqueles laços existam. Algo como o filho repetir, sem que o pai se lembre de ter ensinado, sua forma peculiar de amarrar os sapatos.

    Eis, resumidamente, a visão que nos dão do sucedido as cartas de Vanda a Aldo, espécie de prólogo à trama.

    Seu ponto nodal, porém, se dá na narrativa do marido, na qual surgem não somente o ponto de vista de Aldo sobre a traição mas as consequências dela pelo resto da vida do casal, já na velhice.

    Nessa parte, a decisão do retorno familiar é remexida.

    Que a bagunça resultante venha à tona quando a casa é, na trama, remexida de fato, durante uma viagem do casal (quem teria mandado tudo pelos ares?), poderia ser um artifício formal perigoso.

    O conjunto do romance, porém, é narrado de forma tão sóbria e envolvente que o leitor não se deixa perturbar pela intrusão do autor.

    Em todo o livro, somente na seção final, no diálogo de Sandro e Anna a respeito da forma como o irmão, à maneira do pai, dá o laço nos cadarços, ele parece ceder à tentação de afirmar sua presença pela explicitação excessiva da metáfora.

    "Essa história dos laços envolveu todos nós. Papai voltou pela mamãe, por mim, por você. E nós três queríamos que ele voltasse. Entendeu?", inquire Sandro. "Os únicos laços que contam para nossos pais são os que eles usaram a vida inteira para torturar um ao outro", retruca Anna.

    Das metáforas usadas, porém, a mais feliz e discreta é a da caixa trazida por Aldo de Praga, objeto de aparência singela. O casamento, aqui, é como aquele cubo de madeira pintada de azul.

    Lustroso, parece sólido, inexpugnável até –mas guarda, além dos dias felizes, o que leva a sua implosão.

    LAÇOS
    AUTOR Domenico Starnone
    TRADUÇÃO Maurício Santana Dias
    EDITORA Todavia
    QUANTO 44,90 (144 págs.); 34,50 (e-book)
    AVALIAÇÃO ótimo

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