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    CRÍTICA

    Interpretação vocal de Paulinho Tó potencializa crítica política

    PALOMA FRANCA AMORIM
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    29/08/2017 02h00

    Luan Cardoso/Divulgação
    O músico Paulinho Tó, que lança o álbum 'De Cara no Asfalto
    O músico Paulinho Tó, que lança o álbum 'De Cara no Asfalto'

    DE CARA NO ASFALTO (ótimo)
    ARTISTA Paulinho Tó
    GRAVADORA Independente
    QUANTO R$ 25 (paulinhoto.com.br ) e grátis (Spotify e Soundcloud)

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    "De Cara no Asfalto" é o segundo disco da carreira do cantor e compositor Paulinho Tó, que volta hoje (29) à baila nas plataformas virtuais com o lançamento do clipe da música que dá nome ao álbum.

    Dirigido por Olívia Pedroso, o vídeo foi gravado em parceria com a comunidade de mulheres da Ocupação Esperança, em Osasco (Grande São Paulo), criada há quatro anos.

    Os versos da canção apresentam um olhar sobre o contato da população com a violência, as intempéries e os contratempos das grandes cidades em suas nuances contraditórias e desiguais.

    A cadência do samba junto a um coro de vozes femininas confere à letra a densidade do canto popular e de lamento, friccionados por um arranjo de progressão percussiva e de efeitos de guitarra elétrica.

    A participação das mulheres da Ocupação Esperança no clipe é uma tradução visual em que elas são presença marcada de corpos periféricos femininos denunciando a ausência de direitos, liberdade e reconhecimento e a legitimação de suas vidas, de seus filhos e de seus companheiros.

    As sonoridades híbridas de Tó, exploradas à radicalidade não só na música "De Cara no Asfalto" mas ao longo de todo o álbum, são desdobramento de um projeto de investigação estética iniciado em "Temporal", de 2014.

    A perspectiva teatral das composições, a oposição palpitante entre temas públicos e privados e o olhar de cronista para eventos sociais aparentemente corriqueiros marcam sua personalidade artística.

    Ele propõe uma interpretação vocal ora seca, falada, ora melódica, de modo a gerar efeitos narrativos que potencializam as razões políticas descortinadas em suas letras.

    Na sexta faixa, a balada "Luísa e a Cidade", Tó compõe uma cena amorosa com ruas e avenidas que se tornam labirintos a serem percorridos por um eu-lírico apaixonado por Luísa, personagem fundida à paisagem urbana como transeunte, lembrança, fantasma, amor talvez platônico.

    "Luísa, não vai passar, o nosso amor não vai passar/ em nós milhões de sóis/ milhões de fachos de faróis/ é tarde, eu mais que morro, eu vivo na metade de outra metade/ eu mordo a parte/ eu vivo em você/ cadê você?".

    As demais composições têm um formato quase fotográfico das imagens propostas nas letras, sobretudo pelo entrelaçamento contínuo das camadas simbólicas.

    A objetividade técnica de "De Cara no Asfalto", produzido por Guegué Medeiros e Ricardo Prado, torna-se particularmente mais um elemento formal de provocação do disco.

    Há influência dos movimentos da música popular brasileira das décadas de 1960 e 70, alimentados pelos grandes festivais e por uma atitude de resistência pública ao totalitarismo político e cultural.

    Tó propõe vias contemporâneas à luz de recursos históricos para olhar para o nosso tempo com responsabilidade crítica, sem abrir mão de uma relação poética e sensível com a linguagem musical.

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