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    CRÍTICA

    Enfiar o pé na lama fez bem à coreógrafa Deborah Colker

    IARA BIDERMAN
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    30/08/2017 02h00

    CÃO SEM PLUMAS (muito bom)
    QUANDO qua. e qui., 21h; sex., 21h30; sáb. 17h; dom. 20h; até 2/9
    ONDE Teatro Alfa, R. Bento Branco de Andrade Filho, 722, tel. (11) 5693-4000
    QUANTO de R$ 25 a R$ 160
    CLASSIFICAÇÃO livre

    *

    A excelência técnica, o atletismo-ostentação e a cenografia espetacular que ajudaram a fazer a fama de sua companhia tiveram seu impacto, mas talvez tenha chegado a hora de a coreógrafa Deborah Colker sujar um pouco o excesso de virtuose e efeitos especiais para se aproximar da densidade das coisas.

    Com o poema "O Cão Sem Plumas", do pernambucano João Cabral de Melo Neto, Colker disse ter entendido o sentido da palavra "espesso".

    No espetáculo adaptado da obra, esse entendimento se traduz na sobreposição de elementos para "engrossar" a dança sem, quase sempre, resultar em artificialismos.

    As imagens em preto e branco criadas com o cineasta Cláudio Assis não são simples cenários: ora complemento aos movimentos dos bailarinos, ora protagonistas, chegam a dançar por elas mesmas no telão e acrescentam novas camadas às cenas.

    A cenografia de Gringo Cardia é mais seca, como a linguagem do escritor. Praticamente não há troca de cenário: os caixotes-jaulas-palafitas juntam função e significado com o mínimo de recursos.

    A camada mais profunda, o poema inspirador, vem à tona nos trechos cantados ou declamados da trilha sonora criada por Jorge dü Peixe e Lirinha, sem didatismo.

    Terceira obra de Colker baseada na literatura (as outras foram "Tatyana" e "Belle"), "Cão Sem Plumas" supera os obstáculos de fazer uma dança contemporânea narrativa, não muito bem resolvidos nos trabalhos anteriores.

    Mas toda a linguagem da coreógrafa está em cena. Depurada e fortalecida pela paisagem do semiárido nordestino percorrida pelo poema, a mistura de clássico, popular e contemporâneo flui como um rio ou se destaca como rachaduras na terra ressecada.

    Mais contidas, as acrobacias ganham o sentido da instabilidade, do risco, muito maior do que qualquer exibicionismo técnico. A incorporação de novas linguagens, como o coco e o jongo nordestinos e o kuduro africano, também enriquece a coreografia, que tem seus pontos altos nos movimentos em conjunto.

    Talvez ficasse mais forte se fosse mais condensada. Há momentos prolixos, e repetições em excesso diluem o encantamento. Nada que comprometa, mas a síntese poderia deixar ainda "mais espessa a vida que se desdobra em mais vida", como diz o autor de "O Cão Sem Plumas".

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