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    CRÍTICA

    Peça sobre violência sexual é inquietante, mas derrapa no texto

    MARIANA DELFINI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    01/09/2017 01h00

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    A atriz Lucienne Guedes no espetáculo 'Enquanto Ela Dormia
    A atriz Lucienne Guedes no espetáculo 'Enquanto Ela Dormia'

    ENQUANTO ELA DORMIA (bom)
    QUANDO de qua. a sáb., às 20h30; dom., às 19h30; espetáculo fica em cartaz até 22/10
    ONDE Espaço Mezanino, no Centro Cultural Fiesp (av. Paulista, 1313), tel. (11) 3528-2000
    QUANTO grátis
    CLASSIFICAÇÃO 16 anos

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    É indiscutível a importância do tema.

    A Folha reportou que em 2016 foram registrados em média dez casos de estupro coletivo de mulheres por dia no Brasil. Os dados da Secretaria da Segurança Pública indicaram que o Estado de São Paulo contabiliza um caso de feminicídio a cada quatro dias. Na capital, somente na última semana, se tornaram notícia três ocorrências de violência sexual contra a mulher em meios de transporte.

    O monólogo "Enquanto Ela Dormia", em cartaz no Centro Cultural Fiesp, propõe um olhar lírico e ao mesmo tempo cheio de revolta para tais estatísticas assustadoras, debruçando-se sobre os efeitos subjetivos dos crimes contra mulheres.

    Dora, uma professora de literatura, presencia um assédio em um ônibus e passa a se recordar de abusos que ela mesma sofreu na infância.

    O texto da estreante Carol Pitzer é o ponto de partida para Eliana Monteiro, do Teatro da Vertigem, construir uma encenação poética, cuja força se apoia na instalação cenográfica de Marisa Bentivegna –com iluminação de Guilherme Bonfanti– e na atuação de Lucienne Guedes.

    A delicadeza da voz e do corpo da atriz instaura um belo contraste com a brutalidade da cela de grades e vidros que a confina –em uma metáfora impactante da subjetividade feminina aprisionada pelo patriarcado.

    Com auxílio da água que também compõe o cenário da montagem, símbolo do inconsciente, da fertilidade e da transformação, a atriz explora seu espaço limitado até conseguir atravessá-lo, apontando uma brecha para contornar o trauma.

    O texto em si é irregular. Ele se estrutura como um diálogo com um outro ausente –a diretora da escola, a mãe, um juiz, entre outros– e oscila entre a concretude do depoimento e as confusões da memória, que mistura reminiscências da infância vivida com os contos de fadas.

    Em alguns momentos, repisa o que a encenação já está comunicando pela atuação e pela cenografia, uma redundância que enfraquece a potência poética do conjunto e quase incorre no didatismo.

    O que nos leva a pensar sobre as maneiras de representar, na arte, o abuso. A evocação da violência por meio de um texto poético cumpre com seu claro objetivo de repúdio e denúncia? Entre o grito e a sutileza, qual seria o tom para dar conta das feridas que a violência física e mental deixa nas mulheres?

    A peça desperta essa inquietação tanto pelos acertos da encenação quanto pelos deslizes de texto.

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