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    Filmes e série abordam o rancor do eleitor de Trump e da extrema direita

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    03/09/2017 02h34

    Divulgação
    Cena do filme 'Roubo em Família
    Cena do filme 'Roubo em Família'

    Evangélicos radicais do Texas, operários de fábricas da Carolina do Norte, strippers do Missouri e "junkies" do Wyoming despontam de casebres, trailers degradados, postos de gasolina e motéis de beira de estrada.

    Longe da Los Angeles colorida de "La La Land" ou da Nova York pulsante de "Homem-Aranha", Hollywood se debruça sobre o eleitor-chave de Donald Trump: o "red neck", termo pejorativo que designa os brancos despossuídos das franjas da América.

    Diretor de "Traffic" e "Onze Homens e um Segredo", Steven Soderbergh escala alguns desses tipos em "Roubo em Família", filme sobre irmãos do universo proletário que resolvem armar um assalto durante a corrida Nascar.

    Ao jornal "The New York Times", o diretor disse ter topado dirigir o projeto por causa dos personagens vindos da classe trabalhadora. "O truque é usar estereótipos para montar o quadro e, com sorte, surpreender as pessoas mais tarde", afirmou.

    Channing Tatum, Adam Driver, Katie Holmes e Daniel Craig forçam o arrastado e anasalado sotaque sulista nessa trama ambientada na Carolina do Norte, Estado vizinho à Georgia natal de Soderbergh. No Brasil, o longa estreará em 12 de outubro.

    "Discreet", de Travis Mathews, foi um dos primeiros longas a capturarem o rancor difuso do branco interiorano, ira que galvanizou a vitória do presidente republicano.

    Embora o filme não faça referências diretas a Trump -foi rodado antes de sua vitória-, ele capta as forças em jogo às vésperas do pleito.

    Ali, o discurso de ódio da "alt-right", a mesma extrema direita por trás de protestos como o de Charlottesville, ecoa pelas ondas de uma rádio no Texas, pregando violência contra os não brancos.

    "É o espírito da época e de um país que caminha para o totalitarismo", diz Mathews à Folha. Ao lançar o longa, no último Festival de Berlim, em fevereiro, o diretor disse esperar que a obra funcionasse como uma "arma política".

    O título do filme ("discreto") é jargão usado no mundo LGBTQ para se referir a gays no armário, como alguns dos texanos com quem o protagonista faz sexo anônimo.

    'ESCÓRIA BRANCA'

    Outro bastião de brancos conservadores é explorado na série "Ozark", disponível na Netflix, sobre uma família que, ameaçada por dívidas com o narcotráfico, se esconde nos confins do Missouri.

    O título da série indica a região de montanhas e florestas que é epítome dos "hillbillies", outro rótulo depreciativo para designar os caipiras americanos. Na obra, são retratados como preconceituosos e atrasados, traços do "clichês do 'white trash'" (a escória branca), segundo a crítica.

    A mesma região, de forte influência neopentecostal, é o enclave miserável tratado no filme "Inverno da Alma" (2010), que fez deslanchar a carreira de Jennifer Lawrence.

    O retrato pouco amigável da população interiorana se repete em "Terra Selvagem", de Taylor Sheridan. No longa, que estreará neste semestre no Brasil, o assassinato de uma nativa numa reserva indígena do Wyoming, no Meio-Oeste, leva a polícia a cruzar com operários brancos da extração de petróleo devastados pela metanfetamina.

    Sheridan é também roteirista de "A Qualquer Custo" (2016), indicado ao Oscar neste ano, que trata de dois irmãos que assaltam bancos movidos não por circunstâncias econômicas, mas por um rancoroso justiçamento.
    O cineasta diz que ambos os longas são parte de sua "trilogia da fronteira", uma atualização do gênero do western em que tensões raciais e sociais são sempre presentes.

    "Somos uma nação tão jovem e temos tanto para aprender sobre nós mesmos. Aprender sobre como nos tornamos uma nação e como expandimos é um bom começo", disse Sheridan ao site "Parade".

    'CAIXA DE PANDORA'

    As mesmas tensões raciais que permeiam a atual polarização da sociedade americana estão no centro de "Beatriz at Dinner", do portorriquenho Miguel Arteta, ainda sem data de estreia no Brasil.

    O que muda nele é que os brancos ressentidos não são interioranos chucros, mas ricaços californianos que não seguram a língua na hora de disparar comentários racistas.

    Salma Hayek interpreta Beatriz, terapeuta holística de origem mexicana convidada a jantar na mansão de sua cliente com os convidados dela, típicos representantes da sigla "wasp" -brancos, anglo-saxônicos e protestantes.

    Entre um vinho e outro, as farpas de uma refeição indigesta: Beatriz é confundida com uma empregada da casa e tem de responder se migrou legalmente. No outro polo, o magnata Doug (John Lightgow) caça animais selvagens na África por esporte e crê que o que o mundo precisa mesmo é de empregos. E só.

    Racismo e elitismo também temperam "O Jantar", de Oren Moverman, que deve chegar aos cinemas brasileiros na próxima quinta (7).

    Richard Gere e Steve Coogan são dois irmãos endinheirados que precisam decidir o que fazer depois que os filhos de ambos cometem um crime contra uma moradora de rua. A discussão resvala nas feridas herdadas da Guerra Civil americana, uma das propulsoras do rancor branco ali.

    Em entrevista à Folha, Gere não atribui a Trump a culpa pelo ódio no país. "Mas ele fez com que isso fosse algo ok. Abriu a caixa de Pandora."

    Roteiristas de humor, Jack Bernhardt tem um palpite excêntrico sobre o filme que melhor representa a Era Trump. Segundo texto de opinião que ele escreveu para o britânico "The Guardian", o título pertence à comédia rasteira "Virei um Gato". No filme, Kevin Spacey é um empreiteiro rico e narcisista forçado a ficar mais humilde depois de ficar preso no corpo de um felino.

    "Não é sobre Trump, é para ele", escreve Bernhardt. "É uma menagem que apela a ele com piadas sobre legislação de arranha-céus, ex-mulheres e bilionários que todos inexplicavelmente amam."

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    PESCOÇO VERMELHO
    Onde se passam as produções e o perfil eleitoral nas regiões

    'Beatriz at Dinner'
    Uma terapeuta de origem mexicana é afrontada por brancos milionários numa mansão na tradicionalmente liberal Califórnia, onde o republicano teve só um terço dos votos. O filme ainda não tem data de estreia no Brasil

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    Cena do filme 'Beatriz at Dinner
    Cena do filme 'Beatriz at Dinner'

    'Terra Selvagem'
    A morte de uma nativa leva a polícia a operários de um campo de extração de petróleo no centro do Wyoming, onde Trump teve até 40 pontos percentuais a mais do que Hillary. Estreia ainda neste semestre no Brasil

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    Cena do filme 'Terra Selvagem
    Cena do filme 'Terra Selvagem'

    'Discreet'
    Discursos de ódio da extrema direita ecoam na rádio que o protagonista escuta, no oeste do Texas. Trump chegou a vencer com até 94% dos votos em distritos da região. O filme passará no Festival do Rio, em outubro

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    Cena do filme 'Discreet
    Cena do filme 'Discreet'

    'Ozark'
    Para fugir de uma dívida com o tráfico, família vai para região no Missouri marcada por conservadorismo religioso onde o presidente contou com até 80% dos votos. A série está na Netflix

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    Cena da série 'Ozark
    Cena da série 'Ozark'

    'Roubo em Família'
    Na Carolina do Norte, irmãos oriundos da classe proletária planejam fazer um roubo numa pista de corrida da Nascar. Na região em que se passa o filme, que estreia em 12/10, Trump teve 63% dos votos

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    Cena do filme 'Roubo em Família
    Cena do filme 'Roubo em Família'

    'O Jantar'
    Elitismo e racismo são temas que temperam o longa, que estreia em 7/9. A trama alude às chagas da Guerra Civil. Em Gettysburg, Pensilvânia, onde parte do filme se passa, o presidente venceu com 65% dos votos

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    Cena do filme 'O Jantar
    Cena do filme 'O Jantar'
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