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    CRÍTICA

    Em 'Câmera Lenta', escritora revisita e reinventa suas marcas

    JULIANA BRATFISCH
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    06/09/2017 02h00

    Keiny Andrade/Folhapress
    Marília Garcia, autora de 'Câmera Lenta', na Flip de 2016
    Marília Garcia, autora de 'Câmera Lenta', na Flip de 2016

    CÂMERA LENTA (ótimo)
    AUTORA Marília Garcia
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 34,90 (104 págs.); R$ 23,90 (e-book)
    QUANDO nesta quarta (6), às 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo (R. Voluntários Da Pátria, 97, tel. 21-3195-0200)

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    Como o próprio título explicita, o novo livro de Marília Garcia estabelece um íntimo diálogo com o cinema.

    Nenhuma novidade até aí: as diversas referências cinematográficas sempre estiveram em um mesmo patamar que as referências literárias em seus livros anteriores.

    Entretanto, mais do que uma necessidade referencial, citando trechos de filmes, aqui nos deparamos com uma experiência de escrita que busca outra espessura por meio de um recurso cinematográfico: a poesia, na ilha de edição de Marília Garcia, tem o tempo e o espaço suspensos para que possamos aprender a olhar em câmera lenta.

    O gesto de referenciar e localizar experiências presente em seu livro anterior, "Um Teste de Resistores", é praticamente deixado de lado. Não estamos mais diante de uma escrita que se faz a partir e sobre os lugares, com referências específicas de contexto.

    Comparando com versões anteriores, percebemos que os topônimos de certos poemas, como "é uma love story e é sobre um acidente" e "de cima" (ambos publicados anteriormente na revista "Modo de Usar") foram substituídos por referências mais vagas.

    A tendência de escrever poemas para serem lidos em voz alta, construídos com uma sintaxe fluída, repetições e marcas de oralidade, se mantém nesse livro, ainda que a abertura do poema para as experiências de circulação anteriores à publicação não esteja mais tão presente como no livro anterior.

    Trata-se de um novo olhar para sua própria escrita que busca um equilíbrio entre a completa falta de referencialidade de "20 Poemas para o Seu Walkman" e seu excesso em "Um Teste de Resistores".

    SIMETRIA

    A arquitetura de "Câmera Lenta" é simétrica. Os três poemas que compõem abertura, pausa e epílogo são aqueles que trazem mais referências específicas e externas sendo também versões de falas criadas e planejadas de acordo com os espaços de leitura em que os poemas circularam antes da publicação em livro.

    Já nos nove poemas que compõem cada uma das duas partes mais extensas do livro parece haver cenas recortadas e retrabalhadas em desaceleração, nas quais encontramos certos versos e temas ecoando de um poema a outro.

    A despedida no portão de embarque e o breve diálogo sobre uma chave não devolvida, em "capítulo II, por intermédio do naturalista", fica reverberando durante a leitura de um livro sobre Charles Darwin.

    Os versos que indicam a resposta encontrada para o problema ("talvez se o portão se/ deformasse não precisaria mais / da chave") ecoam já em outro contexto no poema seguinte, "um quadrado que cega" (que por sua vez dialoga com "Blind Light", poema de abertura de "Um Teste de Resistores", e a referida instalação de Antony Gormley).

    Câmera Lenta
    Marília Garcia
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    Outro exemplo dessa reverberação interna está nos diversos poemas que falam das hélices e máquinas voadoras que, passada a impressão amedrontadora inicial, talvez sejam apenas "um barulho na hora de ouvir / o que mais importava", como podemos ler no poema "bzzz".

    Os grandes deslocamentos não predominam em "Câmera Lenta", os trens e os aviões não levam mais de uma parte a outra, mantendo-se como um ruído insistente ao longo do livro. Parecem mínimos e internos, pedindo uma pausa para olhar com atenção as coisas ao redor e uma escuta aberta para ouvir o ínfimo.

    Marília Garcia confirma ser uma das vozes mais potentes da poesia feita hoje no Brasil, mostrando sua capacidade de se reinventar sem perder suas marcas características.

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