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    Crítica

    'Velha Senhora' faz rir, mas desbota crítica de Dürrenmatt

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    08/09/2017 02h07

    A VISITA DA VELHA SENHORA (BOM)
    QUANDO qui. a dom., às 20h
    ONDE Teatro Sesi-SP, av. Paulista, 1.313, tel. (11) 3146-7439
    QUANTO grátis

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    Denise Fraga, não é de hoje, trabalha com alguns dos melhores textos da comediografia brasileira e mundial, uma marca desde os primeiros passos no grupo Tapa.

    Seu humor é popular, de comunicação direta, como evidenciou com Olímpia em "Trair e Coçar" e combina com o chamado teatro épico que ela vem privilegiando na última década, primeiro com Brecht, agora com Friedrich Dürrenmatt (1921-90).

    São autores de língua alemã que partiram do cabaré do início do século 20, da comédia com interação com a plateia, para abordar temas sociais e políticos.

    "A Visita da Velha Senhora", escrita em 1956, tem reflexos óbvios na realidade brasileira, daí a escolha da atriz e produtora. Registre-se que a comédia inspirou romances tanto de Jorge Amado como de Paulo Coelho.

    É um questionamento da manipulação da Justiça e da própria democracia e existem poucas coisas mais na ordem do dia. Mas a encenação de Luiz Villaça parece fugir dos vínculos contemporâneos, daquilo que a peça apresenta de potencialmente mais corrosivo.

    Denise Fraga é novamente engraçada –e se revela também cantora– para uma plateia lotada que acompanha cada frase ou esgar seu. Mas a crítica presente em Dürrenmatt é atenuada, como se os conflitos do mundo real fossem controversos demais.

    Que o diga Ary França, desperdiçado em cena, mas com um dos cacos mais significativos –quando divide a plateia para um coro e depois brinca que vai unir os dois extremos rompidos no Brasil de hoje.

    É de certa maneira o que a adaptação faz: em vez de explorar o conflito, esforça-se por contorná-lo, ocultá-lo.

    A peça de Dürrenmatt é um clássico moderno sobre hipocrisia e ganância. A trama aborda a vingança da velha milionária Claire, que pressiona uma cidade a condenar à morte o ex-namorado Alfred, que na juventude a engravidou e fraudou um julgamento para não assumir o filho, levando-a à prostituição.

    A começar da mistura de poder econômico e justiça, a comédia é quase cínica ao expor seus personagens pelo que têm de abjeto –outro reflexo do Brasil contemporâneo.

    Denise e Tuca Andrada, como Claire e Alfred, revelam química nos saltos entre a nostalgia da paixão de juventude e o amargor de agora.

    Também Romis Ferreira se evidencia na atuação, respondendo pelos momentos de maior gravidade na trama e nas palavras de Dürrenmatt.

    O cenário e os figurinos (Claire exuberante, os demais desbotados) são funcionais e bem realizados, embora acrescentem pouco à história. Sente-se mais a falta de desenvolvimento nas canções, tanto letras quanto execução.

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