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    Crítica

    Fluido, estudo enlaça olhar fotográfico e matéria humana

    LAURA ERBER
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    08/09/2017 02h03

    André Kertész
    OF Croaácia
    Registro do fotógrafo húngaro André Kertész feito na caribenha Martinica, em 1º de janeiro de 1972

    PARA ENTENDER UMA FOTOGRAFIA (ÓTIMO)
    AUTOR John Berger
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 59,90 (264 págs.)

    *

    Se as reflexões de John Berger sobre fotografia contêm um aspecto aparentemente obsoleto, este é a hipótese de que a fotografia seria percebida cada vez menos como uma arte e cada vez mais como manifestação dos enigmas da visibilidade. Não como uma linguagem artística, e sim como uma afirmação do olhar humano em determinada situação e determinado momento.

    Se a crença de Berger de que a fotografia se libertaria dos discursos estéticos pode ser desmentida pela ostensiva valorização da fotografia no campo artístico, por outro lado seu modo de interrogar a matéria visual e a construção de sentido visual no material fotográfico estão em perfeita consonância com reflexões desenvolvidas nas últimas décadas no campo dos estudos visuais, da cultura visual e em grande parte das recentes teorizações sobre a natureza e o funcionamento das imagens.

    No formidável conjunto de ensaios de "Para Entender uma Fotografia", organizado por Geoff Dyer e publicado pela Companhia das Letras, Berger analisa, com a desenvoltura habitual, as frágeis e intensas alianças entre o olhar fotográfico e a matéria humana.

    Diferentes ideias sobre a vocação da fotografia circulam ao longo do livro: fotografia como interrupção, afecção do olhar, captação do inesperado, cardiograma, sutura, ampliação do histórico em direção ao vivido e vice-versa.

    O livro revela um estilo reflexivo de Berger e uma escrita ensaísta que apostava nos enlaces entre subjetividade, literariedade e reflexão teórica. Isso fica claro na opção pela estrutura dialógica no texto sobre Cartier-Bresson, mas também no dispositivo epistolar que Berger incorporou aos ensaios.

    Há ainda sua predileção por formas breves, aqui uma reflexão de só duas páginas sobre André Kertész, mostram que a fotografia é capaz de produzir uma compreensão própria do que vem a ser a leitura e o leitor a partir de seus gestos. Aborda a dimensão documental da fotografia e sua capacidade de descrever o privilégio social a partir da inadequação dos ternos sobre corpos de camponeses alemães registrados por August Sander.

    O cotejo da célebre imagem de Che Guevara assassinado com a "Aula de Anatomia" de Rembrandt e "Cristo morto" de Mantegna demonstra que as dos mortos são culturalmente utilizadas como exemplo ou advertência, além de sinalizar, no mesmo ensaio, o quanto fotos de agonia produzem um tipo de gozo contemporizador, politicamente pernicioso.

    Para Entender Uma Fotografia
    John Berger
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    O diálogo declarado com ideias de Susan Sontag a respeito da fotografia é sinal de sua generosidade e honestidade intelectual. A antologia pode ser lida ainda como testemunho de uma inteligência intuitiva capaz de tornar perceptível a percepção por meio de uma elaboração conceitual clara e fluida, capaz de comunicar ao leitor não especialista.

    Suas frases nos colocam em contato direto com a energia do seu pensamento, preciso e leve, mas nunca trivial. O resultado é um livro que, ao analisar fotografias, expõe a delicadeza e a complexidade das operações imagéticas, da difícil relação entre olhar e dizer, sentir e compreender.

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