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    Dramaturgo argentino permeia de ironia espetáculo de crítica social

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    DE SÃO PAULO

    15/09/2017 02h15

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Actress Jennifer Lawrence attends the "Mother!" premiere on day four of the Toronto International Film Festival at the Princess of Wales Theatre on Sunday, Sept. 10, 2017, in Toronto. (Nathan Denette/The Canadian Press via AP) ORG XMIT: NSD132
    Maria Manoella como Tatana em cena do espetáculo "Ala de Criados"

    "A metáfora é um desvio da língua", reflete uma das aristocratas de "Ala de Criados", peça do argentino Mauricio Kartun. "Algum governo de bom gosto deveria proibir a poesia. A poesia e as batatas-doces em calda."

    Ditas assim, as frases dessa personagem-narradora refletem a ironia que permeia todo o texto de crítica social.

    O trabalho debutou em Buenos Aires em 2009 e ganha agora sua primeira montagem brasileira, com estreia nesta sexta (15) em São Paulo.

    Foi Cecilia Boal (que assina a tradução com Rodrigo Arreyes) quem sugeriu a encenação do texto ao diretor Marco Antonio Rodrigues. Conhecido por destrinchar aspectos da sociedade argentina, Kartun, 70, chegou a estudar atuação com Augusto Boal (1931-2009) nos anos 1970.

    O dramaturgo aloca sua peça no verão argentino de 1919, na chamada Semana Trágica, quando uma revolta de trabalhadores em Buenos Aires terminou em massacre. O enfrentamento entre o movimento trabalhista e a polícia do governo de Hipólito Yrigoyen deixou 700 mortos.

    Mas a ação se passa num clube de veraneio em Mar del Plana, onde estão os primos Tatana (Maria Manoella), Emilito (Gabriel Miziara) e Pancho Guerra (Rodrigo Scarpelli).

    Distantes do confronto, distraem-se com banhos de sol, tardes regadas a bloody mary e um clube de tiro ao pombo.

    Riem da então recente Revolução Russa e de tudo que de lá vem (apesar de se encherem de vodca), mas o sarcasmo esconde o medo dos reflexos de ideais socialistas sobre seu próprio país –e a revolta trabalhista de que ouvem falar, ainda que a distância.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Actress Jennifer Lawrence attends the "Mother!" premiere on day four of the Toronto International Film Festival at the Princess of Wales Theatre on Sunday, Sept. 10, 2017, in Toronto. (Nathan Denette/The Canadian Press via AP) ORG XMIT: NSD132
    Rodrigo Scarpelli (esq.), Gabriel Miziara (centro) e Maria Manoella em cena de "Ala de Criados"

    O mundo dos primos aristocratas acaba entrando em confronto com o de Pedro Testa (Eduardo Pelizzari), empregado no clube de veraneio que tenta se aproximar do universo dos Guerra, mas é usado por eles –agora insuflados pelos ecos da revolta portenha para uma espécie de "vingança" de classes.

    "Kartun pega um microcosmo e dá conta dessas questões como um todo", diz o diretor, para quem o texto ressoa muito os dias de hoje.

    "Acho que a questão institucional a que a gente chegou é muito séria. É o Estado de Direito, o contrato social que foram pro saco", diz. "E [a peça] fala de tudo isso só mostrando os fatos, sem cagar regra."

    ARTICULADO

    Rodrigues não fez alterações no texto. "É tão difícil mexer, porque tudo faz muito sentido, é muito articulado." As indicações do autor estão lá até no cenário, composto basicamente de uma pedra.

    E também as transições de Kartun, que sobrepõe, em sua narrativa, uma sequência de cenas e de imagens –as gaiolas dos pombos do clube de tiro, por exemplo, depois se refletem num aprisionamento.

    Mas é na boca de Tatana, única personagem feminina e a mais lúcida, que o autor destila seu sarcasmo e reflete sobre como o recrudescimento de valores extremistas pode minar a poesia e a ironia.

    Ela mescla seu papel com o de narradora, fazendo comentários ao público. Como quando diz: "Metáfora é um divino eufemismo. Nada querem dizer, mas dizem tudo".

    *

    ALA DE CRIADOS
    QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom. e feriados, às 18h; até 15/10
    ONDE Sesc Bom Retiro, al. Nothmann, 185, tel. (11) 3332-3600
    QUANTO R$ 9 a R$ 30
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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